DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

. É a inflação, estúpido Pode-se ler politicamente o quadro exibido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-2001) divulgada na semana passada pelo IBGE. Pode-se dizer que a renda média mensal (em dinheiro de hoje) caiu no governo FHC, pois era de R$ 645 em 1995, primeiro ano do primeiro mandato, e chegou a R$ 599 no ano passado. Mas também se pode dizer que foi no governo FHC que a renda atingiu o seu segundo pico nos últimos vinte anos (R$ 700 em 1986 e R$ 655 em 1996). As duas afirmações são verdadeiras, mas contam apenas parte da história. É preciso olhar o quadro inteiro para se encontrar algo mais consistente. Por exemplo, o que há de comum entre os anos de 1986 e 96, quando a renda atingiu o pico da respectiva década? Foram os anos de forte queda da inflação. O ano de 1986 foi o do Plano Cruzado, que teve vida efêmera. Saiu em fevereiro e já em novembro a inflação explodia de novo. Ainda assim, a inflação daquele ano foi de 80% (medida pelo IPCA, índice do IBGE), contra 242% em 1985 e 363% em 1987, quando a renda voltou a cair. Em 1996, segundo ano do Real, a inflação chegou a 9,56%, contra 22,4% no ano anterior. Pode-se perceber a mesma relação renda/inflação olhando por baixo. Nas duas últimas décadas, os piores anos para a renda foram os de 1983, 84, 1992 e 93, quando ficou em torno de R$ 450. Querem saber a inflação desses anos? Bingo: 164% em 1983; 215% em 84; nada menos 1.119% em 1992 e ainda mais espantosos 2.477% no ano seguinte, o pico da superinflação. Também se vê a mesma relação no Índice Gini, que mede a desigualdade de renda. Varia de 0, máxima igualdade, a 1, máxima desigualdade, como se toda a renda de um país estivesse nas mãos de uma pessoa. Portanto, quanto mais perto de 1, pior a distribuição. Nota-se no quadro “Distribuição de renda” que o pico da desigualdade é 1993, o pico da inflação. Na década de 80, o Índice Gini bateu o recorde negativo (0,64) justamente em 1989, quando a inflação também foi a maior do período, 1.972%. Claro que a renda do trabalho está também relacionada com o crescimento da economia. Não pode haver ganho geral de renda se a produção não está crescendo. Mas pode haver mudanças na distribuição, com alguns extratos absorvendo parte maior da renda. É o que ocorreu no período do Plano Real, conforme se vê no quadro “Rendimentos do Trabalho”. Ali se verifica que, em 1989, auge da inflação, os 10% com os maiores rendimentos levavam quase 52% da renda nacional, contra 11% da renda absorvida pelos 50% mais pobres. Há uma mudança a favor dos mais pobres nos três anos seguintes, em parte por causa da queda inflação em 1991, em parte por causa da recessão, que tirou mais renda dos ricos. Em 1993, recorde absoluto da inflação brasileira de todos os tempos, 2.477%, os ricos recuperam sua renda, os pobres perdem. Vem o Real e a curva de novo se inverte. A maior parte dos ganhos dos mais pobres foi efeito do fim da inflação, pois esta destroi a renda dos que recebem em dinheiro vivo e não tem acesso às rentosas aplicações bancárias. Mas também quando houve perda de renda real, os mais ricos perderam mais até 1999 e recuperaram um pouquinho até 2001, não por acaso um período de inflação mais alta. Assim, as curvas dos gráficos vão se cruzando, sempre apontando menos inflação, mais renda e, sobretudo, mais renda para os mais pobres. É claro, entretanto, que o efeito inflação perde força quando se chega a níveis equilibrados de preços. É impossível repetir o ganho de renda com a entrada do Real, mas a relação básica permanece: toda vez que a inflação aumenta, os pobres sempre perdem e perdem mais; os ricos sempre ganham com a inflação porque têm como proteger seu dinheiro. Quando se diz, portanto, que o Plano Real só acabou com a inflação, trata-se claramente de uma redução. Se fosse só isso, já teria sido muito. Também quando se diz que houve perda de renda, é verdade, mas é preciso colocar no contexto. A renda cresceu fortemente na partida do Plano Real, 1994 e 95, permaneceu estável de 1996 a 98, na casa dos R$ 650 em termos reais), tendo caído em 1999, ano da desvalorização da moeda, de baixo crescimento do PIB (0,81%) e alta inflação (8,9%) e em 2001, idem, em menor escala (PIB de 1,5% e inflação de 7,67%). Publicado em O Estado de S.Paulo, 16 de setembro 2002

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