O POVO NÃO ESQUECE

. A INFLAÇÃO ESTÁ NO CHÃO, MAS A POPULAÇÃO NÃO ACREDITA – É O QUE DIZ A PESQUISA VOX POPULI, CONHECIDA NA TERÇA, DIA 4. Por que isso ocorre?       A inflação do primeiro semestre deste ano, preços ao consumidor, é recorde de baixa. No caso do IPCA, índice do IBGE tomado como referência para a política de metas de inflação, a variação acumulada nos primeiros cinco meses do ano foi de 1,4%, o menor resultado desde 1980. A despeito das diferenças de método e de amostras, os diferentes ínstitutos de pesquisa mostram o mesmo quadro: inflação muito baixa no período, com queda acentuada no preço de alimentos. Ao que parece, a população não acredita nisso. A pesquisa do Instituto Vox Populi, feita em escala nacional nos dias 24 e 26 de junho, revela que os entrevistados dão ao governo federal a nota vermelha de 3,43 (em escala de 0 a dez) no quesito combate à inflação. Como explicar? Tarifas A primeira hipótese é verificar se houve aumento de alguns preços simbólicos, desses que chamam a atenção e saem em todos os noticiários. Houve. Poucos dias antes da pesquisas, saíam informações sobre aumentos de tarifas – telefone, energia elétrica e pedágios em alguns estados. Todos esses reajustes foram elevados – na faixa dos 12% a 14% – muito acima, portanto, dos índices de preços ao consumidor. Houve também aumentos da gasolina e do gás de cozinha e um enorme debate em torno de preços de remédios, que enyretanto haviam subido mais antes, em 1999, em consequência da desvalorização do real. (A propósito, ainda na terça-feira, dia 4, foram autorizados reajustes de energia elétrica de 13% a 15% em São Paulo e Tocantins). Pelo contrato de concessão, esses reajustes são feitos com base no IGPM, um índice da Fundação Getúlio Vargas que combina preços no atacado, que subiram muito mais, com preços no varejo e custos da construção civil. E tarifas pesam no bolso do consumidor. É possível trocar uma marca de sabonete que subiu de preço, mas ninguém pode deixar de ligar a luz, atender ao telefone, acender o fogão ou pagar a gasolina do carro. Esses reajustes elevados em preços simbólicos desmoralizam a estabilidade média dos demais produtos. Desencanto Mas além disso, existe uma desaprovação geral em relação ao governo federal e um desencanto em relação ao presidente FHC, que leva a população a simplesmente não colocar fé em nada que venha de lá ou que ela supõe vir de lá. É uma situação contrária à verificada nos anos de ouro do Real (de 1994 até meados de 1998), quando nada pegava contra o FHC. Ele podia ser fotografado roubando dinheiro na Casa da Moeda – que ninguém acreditaria, tal a força, então, da estabilidade da moeda e do período de crescimento. Para se ter uma idéia: a massa real de salários, medida pelo IBGE, cresceu 15% em 1994, mais 21% no ano seguinte e mais 9% em 1996. Em 1997, início da crise, ainda houve crescimento, mas quase nada, coisa de 2%. Em 1998, virou, houve a primeira queda da massa real de salários, que se aprofundou em 1999, quando caiu 5,5%. E nesse ano, em consequência da desvalorização do real, a inflação ao consumidor subiu para perto de 10% no ano. Portanto, eis a combinação: inflação em alta, perda de poder aquisitivo, salários reais em queda e desemprego em alta. 1999 não foi apenas um ano ruim. Foi um dos piores. O capital inicial do Real deu justo até a eleição de 1998, quando FHC se reelegeu com folga no primeiro turno. E acabou totalmente em 1999 – quando a população começou a dar notas vermelhas a FHC. Recuperação insuficiente Neste momento, além da inflação baixa, há uma clara recuperação da atividade econômica, inclusive com geração de novos empregos. A indústria brasileira, por exemplo, que não criava empregos há dez anos, voltou a fazê-lo. O que a pesquisa Vox Populi de junho mostra é que isso também ainda não pegou. Assim como continua vendo inflação, a população não percebe a retomada da atividade. Faz sentido. Uma economia vai para o fundo do poço muito depressa, mas sai lentamente. É o que acontece hoje. Registra o IBGE que começa a haver uma recuperação na massa real de salários. Parou de cair e sobe um pouco em cada mês em relação ao mês anterior. Mas ainda é menor do que um ano atrás – ou seja, parou de piorar, mas ainda não se recuperaram as perdas passadas. Assim, o desconforto permanece – permanecendo a avaliação negativa do governo FHC. Que piorou de maio para junho em razão das tarifas, do salário mínimo, da crise do funcionalismo. As coisas estão assim muito difíceis para FHC: sinais positivos não são considerados; sinais negativos são multiplicados. Traição e perdão Se mantido o atual ritmo de recuperação, o que é provável, neste segundo semestre, mais para o final do ano, os índices de desempenho econômico entrarão todo no positivo. A questão é saber se isso se refletirá nos índices de popularidade do governo e de FHC em particular. Pela regra, deve se refletir. A economia é o que importa – e se as pessoas estão trabalhando,m ganhando e tendo crediário para comprar – o sentimento melhora, junto com ele a avaliação do governo. O problema é que essa população votou em outubro de 1998 no homem que havia derrubado a inflação e garantia poder resolver o desemprego. E que logo depois de eleito, entregou inflação e desemprego. Não vai ser fácil perdoar. A economia precisa ir muito bem para o pessoal esquecer. Não é por acaso que todas as recentes manobras de política econômica do governo apontam na direção de um esforço pró-crescimento. É muito provável que o país de fato volte a crescer, mas não é certo que FHC terá crédito por isso. Ele precisa de algo mais que a economia, precisa de uma capacidade de comunicação e liderança que parece ter perdido. (Sobre a VIrada Pró-crescimento", veja notas anteriores na seção Em Cima dos Fatos)  

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