COMPRANDO COM O DINHEIRO PÚBLICO

Em princípio, não há nada de errado na isenção de impostos para se estimular a construção do Itaquerão do Corinthians e da Copa.
O argumento é o seguinte: ali onde será erguido o estádio o governo não arrecada nada. E sem a obra, continuará sem arrecadar.
Portanto, não se trata de ?dar? dinheiro ao Corinthians. É diferente de fazer um financiamento ou um aporte. Por exemplo: quando o BNDES entra com R$ 4 bilhões para apoiar o negócio de Abílio Diniz na fusão com o Carrefour, o governo está colocando ali um dinheiro que poderia aplicar em muitos outros setores. Ou seja, trata-se de uma escolha: dinheiro público para apoiar um negócio privado.
Já na isenção para o estádio, não há doação. O governo deixa de arrecadar, mas sem a isenção o estádio não sai ? e a Prefeitura continua sem arrecadar.
Ao contrário, se o estádio for construído, isso pode desenvolver toda a região e, aí sim, gerar negócios e … outros impostos.
Pode, pois, ser um bom negócio para todos, mas só faz sentido se o resultado ? o estádio e seu entorno ? for efetivamente um ganho para a cidade e seus moradores.
Esse é o ponto que precisaria ter sido discutido com mais atenção, além da comparação com outros empreendimentos. O estádio é o melhor caminho para se desenvolver aquela região? A cidade precisa?
Não acontece desse jeito. Estão colocando assim: se não for no Itaquerão, não tem abertura da Copa em São Paulo se não tiver a isenção da Prefeitura, não tem Itaquerão logo . . .
Quem diz que o estádio é essencial e que São Paulo precisa da abertura da Copa?
São os dirigentes do Corinthians, que viram aí uma boa oportunidade de financiar seu estádio, e, de novo, os políticos de olho nos votos.
Privado ou público?
Tem um terrenão, 24 mil metros quadrados, dando sopa numa das áreas mais valorizadas de São Paulo, entre as ruas Augusta, Caio Prado e Marques de Paranaguá. Há ali um belo bosque, cobiçado pela população do bairro. Mas a área tem dono e a propriedade é pacífica. Esse proprietário aprovou junto ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp) um projeto para a construção de um condomínio com duas torres residenciais e uma comercial, mas isso dentro de um parque a ser aberto ao público. Os empreendedores garantem que o projeto preservará o bosque com suas árvores nativas, aliás, tombado pelo mesmo Conpresp.
Parece bom, não é mesmo? A região, que tinha uma parte já valorizada, a de Cerqueira Cesar, teve outra revitalizada, o chamado Baixo Augusta. A isso se acrescentaria o novo empreendimento, cuja construção traria mais desenvolvimento para o bairro, com o bônus de um parque e um boulevard de graça.
O poder público, especialmente a Prefeitura, não gastaria nada nisso. Ao contrário, recolheria os pesados impostos que incidem no setor imobiliário.
Mas não. Moradores do bairro protestaram, o prefeito Kassab assinou decreto definindo a área como parque, que não funcionou, e agora a Câmara de Vereadores está votando um projeto de lei que cria ali o Parque Augusta.
Por esse caminho, a Prefeitura terá que comprar o terreno, pelas leis da desapropriação, pagando de cara algo como R$ 33 milhões e obviamente um longo processo na justiça, deixando um passivo para futuros contribuintes. Seguem-se: licitações para o projeto e a construção do parque, colocação da obra no orçamento, definição de verba e, mais importante, efetiva execução.
Não sai por menos de R$ 100 milhões, calculando por baixo, e vai levar muitos anos. Incluindo a receita perdida com a não construção da obra privada, vai a muito mais.
Ora, por que a prefeitura deve torrar todo esse dinheiro em uma região de classes média e alta para fazer um parque de classe? Dirão: os empreendedores privados vão destruir o parque. Mas isso é fácil de evitar, basta estabelecer regras, que, aliás, já existem. E será muito mais fácil para a Prefeitura fiscalizar isso do que construir a tempo a coisa toda.
Mas por que estamos falando disso? Porque se trata de um caso exemplar de socialização de custos e privatização dos benefícios. Os apartamentos ali já estão bastante valorizados. A área é densamente ocupada, praticamente não há mais onde construir, exceto o terrenão. Com o Parque da Prefeitura, os apartamentos atuais ficarão ainda mais valiosos.
O parque do empreendimento privado também os valoriza. Porém menos. E com a desvantagem, para os atuais moradores e proprietários, de acrescentar oferta nova na região. Aumentando a oferta com imóveis novos, se reduz o valor relativo dos atuais.
Nessas circunstâncias, por que o prefeito Kassab e vereadores estão tão empenhados no Parque Augusta? Porque dá votos. O benefício ali é direto e focado. Os beneficiados constituem grupo definido. Já os prejudicados não estão identificados: trata-se de massa anônima de cidadãos e contribuintes de outras áreas da cidade nas quais seria empregado o dinheiro poupado no Parque Augusta. Como o morador da periferia da Zona Sul poderia imaginar que falta ali uma escola porque o dinheiro foi para um parque lá na área rica da cidade e que poderia ter sido feito por empreendimento privado?
Bem resumindo: os moradores, no seu direito, reclamam uma obra pública que os beneficia diretamente. O prefeito e os políticos estão comprando votos com o dinheiro do orçamento. Simples assim.

Publicado em O Estado de S. Paulo, 04 de julho de 2011

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