CAUSAS DA CRIMINALIDADE

. É caso de polícia, mas de polícia inteligente CRIMINALIDADE NÃO É PROBLEMA DE POLÍTICA ECONÔMICA E SIM DE POLÍCIA E SISTEMA JUDICIÁRIO Botucatu é uma das boas cidades para se morar no interior paulista. Na faixa dos 100 mil habitantes, abriga importante campus de uma das três universidades públicas do Estado. Tem indústrias tradicionais, está recebendo algumas novas, bom comércio, clima de serra e vida tranqüila. Nos últimos anos, a cidade assustou-se com dois assaltos violentos a residências, com assassinato dos moradores. Alguns moradores temeram que seu município estivesse entrando nas trágicas estatísticas da violência gratuita e impune dos grandes centros urbanos. Mas não foi assim. A polícia logo esclareceu os dois casos, apanhou os assassinos. E havia uma história de vingança. Claro, não há assassinatos mais ou menos graves, mas convém registrar que os casos botucatuenses não se enquadram no que se chama de onda de violência urbana. Tem mais que ver com a eterna miséria humana. E seguiu a vida. Entretanto, tem havido muitos roubos a residências. Desses simples, digamos assim. Os ladrões entram à noite, em casas vazias, e levam aparelhos de televisão, de som, um botijão de gás, garrafas de bebidas. Não é fácil carregar isso tudo sem barulho. Algumas vezes os vizinhos percebem e chamam a PM, que não raro apanha os ladrões ainda dentro da casa. Mas na maior parte das vezes os ladrões conseguem concluir o serviço. E aqui começa o problema. A reação das vítimas e dos moradores em geral fica entre o alívio e o conformismo. Alívio porque não há violência contra pessoas e porque quase sempre os ladrões deixam poucos estragos na casa, apressados que estão em carregar os objetos. E conformismo porque, bem, isso acontece. Muitos moradores fazem seguro depois do primeiro caso e aí tudo bem, é só fazer o B.O. e comunicar à companhia de seguro. Algumas vezes as seguradoras desconfiam da seqüência de roubos, mas entra aqui outra vantagem do interior – é fácil investigar e identificar as pessoas de bem. Tudo bem com o alívio, mas o conformismo é um mau sinal. Revela tolerância com uma das principais causas da criminalidade – que é o fato de os casos não serem investigados. Como a população entende que esses roubos são casos menores, não há pressão sobre a Polícia Civil, que se limita à investigação de rotina. Às vezes calha de, numa batida à procura de drogas, encontrar uma casa cheia de aparelhos roubados. Por isso, dizia-me um morador, é importante registrar o número dos eletroeletrônicos ou mesmo fazer uma marca. “Às vezes, dá sorte.” Eis aí a pior atitude que se pode tomar. Em junho último, a Inglaterra foi surpreendida por um relatório que mostrava aumento geral da criminalidade, pela primeira vez em seis anos. Surpreendente porque o país passa por um período de prosperidade. De fato, trata-se de um momento raro: o desemprego caiu a 3,8% da força de trabalho, o mais baixo desde 1980. Além disso, os britânicos têm obtido seguidos ganhos de renda. No momento, o rendimento médio real é 4,6% superior ao do ano passado. E entretanto todas as modalidades de crime aumentaram, inclusive aqueles contra a propriedade, casos que, se supõe, tendem a aumentar apenas em ambiente de pobreza, recessão e desemprego. Como aliás se tem comentado a propósito do Japão. Depois de dez anos recessão, pioraram as condições de vida da maioria dos japoneses. E isso tem sido diretamente relacionado com o aumento da criminalidade. Mas como então explicar o caso inglês? Convém insistir: não aumentaram apenas os crimes ligados à riqueza, como aqueles cometidos por pessoas da classe média sob a influência de drogas. Aumentaram todos os tipos de crime, de roubos simples a assaltos violentos. Já nos Estados Unidos, é exatamente o contrário do caso inglês: o crescimento econômico continuado coincide com uma forte redução da criminalidade. Eis por que os diversos estudos têm chegado a uma primeira conclusão: é muito fraca a relação entre criminalidade e determinadas condições econômicas, por exemplo, índice de desemprego. É justamente o contrário do que parece ao senso comum e a um entendimento supostamente progressista que pode ser resumido na idéia de que o aumento da criminalidade “não é um caso de polícia, mas de política econômica”. Na verdade, o próprio caso brasileiro é uma contestação a essa tese. A criminalidade cresceu incessantemente na última década. Mas, como mostrou a recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, os brasileiros vivem hoje melhor do que viviam em 1989. A situação obviamente piorou muito no ano passado, pior momento da crise que começou em 1998, mas ainda assim a década termina com mais avanços. Ou seja, houve um período em que a criminalidade aumentou enquanto melhoravam as condições de vida. Tudo considerado, parece que se trata, sim, de problema de polícia e de sistema judiciário. Duas relações parecem muito fortes. Uma vem dos Estados Unidos, que têm, proporcionalmente, a maior população carcerária do mundo. Quanto mais gente na cadeia, menor o número de crimes, isso ficou bem demonstrado. Faz sentido à primeira vista: se os bandidos estão presos, não estão assaltando, não é mesmo, meu caro Watson? A outra relação tem que ver com o número de casos esclarecidos. Estudos na Inglaterra mostraram que a criminalidade é menor naqueles distritos em que a polícia tem maior índice de esclarecimento de casos. Ou seja, haverá tanto menos crime quanto maior for a probabilidade de o criminoso ser apanhado e condenado. Essa expectativa de ser apanhado é muito mais inibidora do que, por exemplo, a fixação de penas pesadas. O sujeito sabe que pode pegar 30 anos, mas isso não é nada se for remota a chance de ser capturado. Isso significa que a polícia mais eficiente não é aquela que tem mais homens ou veículos. Também não é, portanto, aquela que mais faz policiamento ostensivo nas ruas, mas aquela que mais esclarece os casos. Ou seja, o que faz falta são os serviços de inteligência. E, se isso é verdade, o problema aqui tem sido muito mal tratado, à esquerda e à direita. A violência ostensiva dos carros da Rota talvez seja tão ineficiente, como política anticrime, quanto investimentos em programas sociais. Sob pressão, os governos têm aumentado gastos em carros para a polícia e na assistência aos mais pobres, mas isso, embora sempre necessário, não terá efeito sobre a criminalidade. Enquanto os ladrões de casas de Botucatu não tiveram a expectativa de que muito provavelmente serão apanhados, eles continuarão seu serviço. Enquanto os botucatuenses acharem que esses pequenos roubos são o de menos, a tendência é de escalada da violência. Resumo da ópera: precisamos de polícia, mas de polícia inteligente, o que exige política mais complexa e talvez mais cara do que comprar carros. (Publicado em O Estado de S.Paulo de 31/07/2000)

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