BONDADES COM O NOSSO DINHEIRO

. A MP DO BEM É SÓ UM BOM COMEÇO    
    
Não se sabe se é por maquiavelismo ou hesitação, mas o fato é que a cada dia o governo fala um pouquinho da MP do Bem ? um conjunto de medidas, ainda em gestação, para desonerar investimentos em alguns setores, especialmente o exportador. Se for por maquiavelismo, o governo está aplicando aquela lição de que o bem se faz aos poucos, no caso, se anuncia aos poucos, uma bondade por vez. Mas se for por hesitação, então é porque o pessoal do Ministério da Fazenda está fazendo contas: quanto o governo perde ou deixa de ganhar com a redução e/ou eliminação de impostos.     
Na primeira hipótese, a MP do Bem se amplia, na segunda, encolhe. Segundo o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, que batizou a medida provisória antes de seu nascimento, está descartada a possibilidade de ?penduricalhos?, ou seja, do acréscimo de maldades ao estilo da falecida MP 232 ? aquela que, para compensar a correção da alíquota do IR da pessoa física, contrabandeava um aumento de imposto para as empresas prestadoras de serviço.     
Assim, a MP do Bem será pura, mas de alcance ainda não totalmente definido. Na origem, havia um objetivo bem preciso: salvar alguns investimentos que o Brasil estava perdendo para outros países,  em especial uma mega-siderúrgica a ser construída no Maranhão pela coreana Posco em associação com a Vale do Rio Doce.  O investimento chegou a ser anunciado como firme um ano atrás, mas depois os coreanos informaram que estavam mudando para a Índia por causa da excessiva carga tributária brasileira e, claro, dos incentivos fiscais oferecidos pelo governo concorrente.     
Outros projetos siderúrgicos e na área de papel e celulose estavam em situação parecida, razão pela qual o governo brasileiro estudava maneiras de equilibrar as oportunidades. Estava-se nesse ponto em meados de maio, véspera da visita do presidente Lula à Coréia do Sul, onde se encontraria com os dirigentes da Posco. Ora, por que não antecipar as bondades de modo que a delegação brasileira chegasse lá com novos argumentos?       
Na verdade, Furlan gostaria de ter viajado com a MP já editada, mas não foi possível. Teve de contentar-se com um anúncio feito inicialmente por ele e em seguida confirmado pelo decisivo ministro da Fazenda, Antonio Palocci. O governo brasileiro comunicou que iria suspender a cobrança de PIS e Confins na compra de bens de capital, nacionais ou importados, desde que o empreendimento assim formado destinasse à exportação 80% de sua produção.     
Essa suspensão é diferente do atual sistema, pelo qual a empresa que investe em máquinas ganha um crédito tributário, referente ao PIS e Cofins embutidos nos equipamentos adquiridos. Esse crédito é ressarcido ao longo de dois anos. A nova medida suspende o pagamento das contribuições, de modo que o benefício é imediato, eliminando-se inclusive a dificuldade burocrática do ressarcimento.     
Rapidamente, o presidente da Vale, Roger Agnelli, informou que o custo da tal usina que ia para a Índia teria uma redução de US$ 150 milhões no custo do investimento no Maranhão, com a nova regra. Equivale a quase 8% do total projetado, um bom desconto, portanto. Agnelli juntou-se à comitiva de Lula na viagem à Coréia do Sul. Lá, todos, Lula, Furlan e Agnelli, encontraram-se com o presidente da Posco, Ku Taek Lee, quando se assinou um memorando de entendimento pelo qual a companhia coreana comprometeu-se a reestudar a viabilidade do negócio no Maranhão.     
Alguns diriam que, por isso, a MP do Bem poderia, na verdade, chamar-se ?MP da Posco?. Ou talvez MP da Vale, já que esta multinacional brasileira tem engatilhado planos parecidos para siderúrgicas,  também exportadoras, em associação com a alemã ThyssenKrupp e com a chinesa Baosteel.     
Mas poderia também se chamar ?MP do Furlan?, pois o ministro não apenas a defendeu como tratou de oficializá-la. No site do ministério (www.desenvolvimento.gov.br), no item ?medidas anunciadas pelo ministro em 19/05?, está escrito que o governo ?lançou o Recap , Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras?.     
O mesmo texto, aliás, comunica outras decisões, a saber: o Repes, Regime Especial de Tributação para Plataformas de Exportação de Serviços de Tecnologia, também com a suspensão de Cofins e Pis/Pasep na aquisição de serviços e bens para empresas habilitadas no programa de exportação de software e serviços de tecnologia de informação; o PC Conectado, com eliminação de Pis e Cofins na compra de qualquer computador no valor de até R$ 2.500,00, qualquer que seja o servidor utilizado nessas máquinas; incentivos à inovação tecnológica, aumentando-se os incentivos e tornando mais rápida sua obtenção; e prazos e condições melhores para desconto de créditos tributários.     
Tudo isso depois da curta expressão o ?governo lançou?.     
Mas até o final de maio não havia lançado.     
Fontes consultadas por Exame, tanto no Ministério do Desenvolvimento quanto na Fazenda, informaram que a MP estava programada para sair na primeira quinzena de junho. Disseram que sairia tudo que estava relacionado no texto do Desenvolvimento e mais alguns itens, todos na mesma direção, a desoneração do custo do investimento e o estímulo à inovação tecnológica, com o objetivo de apoiar o crescimento econômico e ganhos de eficiência.     
Essas outras bondades seriam: ampliação do prazo de recolhimento de vários tributos; incentivos tributários ao setor imobiliário, inclusive a fixação de 7% de imposto total e definitivo no empreendimento construído no regime de patrimônio de afetação; ampliação de prazo para recolhimento de diversos tributos e facilidades para o retorno de empresas ao Simples.     
Como provável, se examinava a desoneração (redução de impostos) para aquisição de bens de capital por parte de empresas voltadas ao mercado doméstico.     
Como se vê, há itens ainda pouco especificados e a explicação para essa indefinição é a mesma de sempre: as contas da Receita Federal, tendo em vista as necessidades do governo federal nas despesas na obtenção do superávit primário para pagar juros.     
Mas é evidente que há folga na arrecadação, inclusive no que se refere ao IR descontado na fonte das pessoas físicas. Lembram-se do debate no ano passado? A Receita dizia que a correção da tabela levaria a perdas de R$ 2,5 bilhões/ano. Pois a nova conta diz que a arrecadação com essa modalidade de IR ficará R$ 6 bilhões acima do previsto. Desde o início do ano, a arrecadação federal bate recordes todos os meses.     
De modo que caímos em um estranho mundo: o governo taxa em excesso e depois faz a bondade de devolver … o nosso dinheiro.     
Mas sempre fica o problema da escolha: quais os setores a serem beneficiados? Aí entram lobies e pressões políticas que raramente levam à eficiência econômica.     
Isso demonstra, mais uma vez, a necessidade de uma reforma tributária que reduza e simplifique a carga para todos.     
E uma última nota: a CPI dos Correios, por estranho que pareça, é outra força a estimular uma MP do Bem a mais ampla possível. Neste momento, o governo precisa da agenda positiva. Tudo bem, há casos em que os fins justificam os meios. Menos impostos, isso é sempre bom. Publicado na revista Exame, edição 844, data de capa 08/junho/2005

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