UM GOVERNO LULA DE 4 ANOS?

. Sem glória, nem humilhação A ficha caiu: e se for um governo de quatro anos? Ainda é uma pergunta, mas desde já uma mudança importante em relação à expectativa que havia até pouco tempo atrás. Dava-se de barato que o presidente Lula, com o embalo da primeira eleição e a completa reversão conseguida no ambiente econômico, seria imbatível em 2006. De algumas semanas para cá, entretanto, espalhou-se a sensação de que o governo pode ser ruim o suficiente para chegar enfraquecido ao teste da reeleição. E isso muda o comportamento de correligionários, aliados e adversários. No pessoal da casa, os petistas, dá uma aflição por alguma providência que mude o rumo das coisas. Alguns pedem alteração completa na política econômica. Outros pedem mais dinheiro para reforma agrária, salário mínimo, funcionalismo, investimentos, emendas parlamentares – haja excesso de arrecadação. Alguns se contentariam com mais umas trombadas com os Estados Unidos. Outros reclamam mais eficiência administrativa do governo. Os partidos aliados (PMDB, PL, PTB, PPS e PP) são obrigados a refazer contas. Sabe como é, embarcar num poder federal de oito anos tem um preço. Para quatro anos, dos quais um terço já cumprido, sai mais caro. Daí as atuais cobranças dos aliados por cargos e verbas. Há menos tempo daqui até as próximas eleições competitivas. E os partidos de oposição se assanham, embora também passem a enfrentar problemas novos. Considerem os governadores Geraldo Alckmin e Aécio Neves. De um lado precisam manter uma boa relação administrativa com o presidente Lula. De outro, é evidente que estão no grupo dos presidenciáveis, o que exige uma postura mais oposicionista. Ora, se o governo Lula é de oito anos, prevalece no momento a relação administrativa. Se de quatro, a política. Daí, por exemplo, o tom mais tucano de recentes manifestações de Aécio, que era só abraços com Lula. Considerem também as cúpulas de PFL e PSDB. Se o governo Lula é de oito anos, cada partido tem tempo para cuidar de sua vida, fortalecer bases, disputar prefeituras e governos estaduais. Se a próxima eleição presidencial para valer é daqui a dois anos e meio, então é hora de refazer a aliança vencedora da era FHC – providência, aliás, que já estão adiantando. Eis aí, toda a manifestação política das últimas semanas, no governo e na oposição, parte dessa sensação de que o governo Lula pode perder o embalo bem antes da hora. Essa expectativa também se observa nos meios econômicos, aqui e lá fora. Mesmo empresários e executivos aliados de primeira hora de Lula manifestam inquietação com as dificuldades do governo em tomar decisões que criem um ambiente propício aos investimentos. Também não apreciam o modo como o governo lida, por exemplo, com as ações do MST e as greves do funcionalismo. Nesse caldo de cultura, prosperaram com facilidade as sementes de dúvida lançadas pelos relatórios de bancos de investimentos internacionais, que recomendaram mais cautela com os papéis brasileiros. Em resumo, na mesma proporção em que caíram os índices de popularidade do governo Lula, aumentou o grau de desconfiança nos meios econômicos locais e internacionais. A questão, portanto, é a seguinte: o governo já era ou apenas passa por um mau momento? Depende do presidente. Não há dúvida de que o momento é difícil. Mas há condições para uma virada – e a chave disso está em três pontos: primeiro, a reafirmação da política econômica; segundo, a capacidade de mobilizar investimentos privados; terceiro, ganhos de eficiência administrativa. O primeiro ponto não depende de discursos, mas da prática, basicamente do cumprimento das metas de ajuste das contas públicas. Isso se verá no dia a dia, como, por exemplo, na definição do reajuste do salário mínimo. A tentação imediata, em um momento de perda de popularidade, é dar um reajuste generoso. É a pura tentação do populismo. Realizada, sofreria imediata punição do mercado, na forma de alta do risco Brasil (e, pois, dos juros) e alta do dólar, com ameaça à inflação. Goste-se ou não, é bom não esquecer que o mercado vota todo dia. O segundo ponto é crucial. A retomada do crescimento depende dos investimentos privados, que não deslancharam por falta de leis, regras e ambiente – tudo coisa que depende da ação política do governo. Recentemente, o presidente patrocinou uma reunião entre entidades empresariais e órgãos do meio ambiente para destravar investimentos que estão parados por falta de licenciamento. Os executivos gostaram da reunião, definiram um calendário de providências, mas a coisa concreta ainda não foi entregue. O terceiro ponto requer uma reforma do governo para, no essencial, colocar nos postos chave menos companheiros e mais gente da máquina, que sabe como fazer andar a administração. Pessoal do ramo, por exemplo, comenta que, mesmo recebendo dinheiro suficiente, o Incra não vai conseguir tocar os assentamentos por pura incapacidade administrativa. É possível que governos se refaçam no curso do mandato. Mas é preciso tomar providências, trocar pessoas, sacrificar os ineficientes por mais amigos que tenham sido. No PT, o pessoal estava convencido dos oito anos e de que faria o melhor governo da história do Brasil. Na oposição, muita gente estava certa de que, mais cedo ou mais tarde, o desastre apareceria e o governo acabaria antes da hora. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Mais provável é algo mais simples de um lado e outro: um governo razoável em vários aspectos, conseguindo algum crescimento; ou apenas ruim, desses que vão se atrapalhando pelo caminho e perdendo energia. Publicado em O Estado de S.Paulo,19/04/2004

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