INEFICIÊNCIA E ROUBALHEIRA

. Profissionalizar e privatizar     
Outro dia, alguém deu uma idéia que parece bobagem mas que, nas circunstâncias, pode ter enorme utilidade. A idéia é colocar na Internet uma espécie de mapa da fisiologia: uma relação com os nomes dos ocupantes de cargos de confiança no governo federal e de diretorias e assessorias nas estatais, ao lado dos respectivos QIs (Quem Indicou).     
Mapas já existem. Estão nos computadores dos articuladores políticos do governo e, claro, dos partidos. São os controles. Mas precisariam ser incrementados com pelo menos mais uma informação: o tamanho do orçamento, a quantidade de verbas e a capacidade de contratação de cada cargo. Não é difícil.     
Assim, se a informação está disponível e se a prática é antiga, por que não colocar tudo na Internet? Completa transparência, não é mesmo?     
Os partidos e os interessados diretos nunca quiseram porque essas informações, embora não fossem segredo, estavam disponíveis apenas para o pessoal de dentro ? os políticos, militantes, quadros, lobistas e jornalistas, estes até certo ponto ou até certo nível da administração.     
Os operadores, administradores das nomeações, mantinham discrição para dar mais eficácia à ação política e até mesmo para proteger a capacidade gerencial dos indicados. Muitas vezes eram profissionais do ramo, mas estariam prejudicados na função se ficasse escancarado que estavam ali apenas porque tinham QI elevado.     
Mas agora liberou geral. Depois que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, saiu por aí dizendo que queria ?aquela diretoria que fura poço e acha petróleo? ? e que gasta 70% do orçamento da Petrobrás ? não há mais necessidade de falsas reservas.     
Na verdade, parece que os partidos e políticos deixaram de lado qualquer cuidado com as aparências e passaram mesmo a se vangloriar do número de indicações que emplacam. Acrescente-se a isso a prática tradicional do PT de ocupar a máquina do Estado, e as condições estão criadas para se colocar tudo na Internet. As idéias não nascem do nada.     
O resultado, de todo modo, seria devastador. Escrachada, a coisa ficaria insustentável.     
Há um argumento favorável às nomeações políticas. Um partido que, nas eleições, recebe mandato para aplicar determinado programa, necessariamente deve colocar no comando da administração os quadros identificados com aquelas propostas.     
No regime político brasileiro é preciso incluir outra situação, a dos partidos que aderem ao presidente eleito ? ao seu programa, digamos assim, com todo respeito ? e também devem participar do governo.     
Em resumo, faz sentido entregar o Ministério do Turismo ao PTB porque o partido apóia Lula e, como todos sabemos, sempre teve ótimas propostas a respeito do turismo nacional. (A propósito, o ministro Mares Guia, excelente nome para o cargo, tem defendido uma idéia muito boa ? a de facilitar a entrada dos turistas americanos, que estão aí perto e gastam bastante ? que se choca com a orientação supostamente petista do Ministério das Relações Exteriores, dedicado a torrar a paciência dos americanos e colocar obstáculos à entrada de seus dólares. Mas isso é outra história, problemas do presidencialismo de coalizão).     
Agora, qual a política do PTB (ou do PT) para o Departamento de Contratação e Administração de Material da Diretoria Administrativa da Empresa de Correios e Telégrafos? Ou qual a proposta do PP, do deputado Severino Cavalcanti, para a Diretoria de Exploração da Petrobrás?     
Com boa vontade, pode-se dizer que nos dois cargos haveria uma política a desenvolver, por exemplo, a de privilegiar empresas nacionais na compra de equipamentos e na contratação de serviços. Mas isso não é decisão que cabe ao diretor ou ao gerente.     
Vem lá de trás, da campanha eleitoral e deve ser aplicada como diretriz do governo. Melhor ainda seria se o critério fosse aprovado em lei do Congresso Nacional, estabelecendo normas gerais para as estatais ? a serem então aplicadas por técnicos competentes.     
Assim, deveria funcionar. Por esse critério, nem o presidente da estatal precisa ser do partido vencedor. Na verdade, não deveria.     
A Petrobrás, por exemplo, é uma multinacional, player importante no mercado internacional de energia. Como, em qualquer lugar, se recruta o executivo chefe de uma companhia assim? No mercado de executivos.     
Que tal contratar um ?head hunter? para selecionar o presidente da Petrobrás no mercado internacional? Um estrangeiro presidindo a Petrobrás? ? diriam horrorizados os dirigentes do governo e dos partidos da base.     
Mas qual o problema?     
Presidentes de grandes companhias internacionais também cumprem mandato ? no caso, dado pelos acionistas representados no Conselho de Administração. O Conselho da Petrobrás é integrado por ministros do governo, dono da companhia, que dariam a orientação básica. E o presidente executivo a cumpriria, sendo demitido, sem crises políticas, caso fosse ineficiente. No processo, aliás, se poderia aumentar a representação dos acionistas minoritários no Conselho.     
Com toda certeza, ficaria uma gestão mais eficiente do que a de uma diretoria loteada entre apadrinhados de políticos. Vale, claro, para todas as estatais, a menos que se tome a providência que efetivamente resolveria todos os problemas de corrupção e má gestão, a ampla privatização.     
Do mesmo modo, é preciso profissionalizar o governo. Está certo que o ministro da Saúde seja nomeado pelo presidente da República e que saia dos quadros políticos. Mas os diretores de hospitais, não. Estes têm que ser bons diretores de hospitais, não militantes ou correligionários premiados.     
Ou seja, está na cara que é preciso reduzir drasticamente o número de cargos de livre nomeação do governante de plantão, além de se introduzir normas para profissionalizar a gestão.     
Mas isso tem a total oposição do atual governo ? tanto dos fiéis do PT quanto dos fisiológicos e corruptos. O PT sofre de um desvio ideológico. Primeiro, o partido sempre acreditou que quase tudo se resolve com mais intervenção do Estado na economia e na sociedade. Segundo, a maior parte de seus quadros vem do setor público, da administração direta e das estatais ? onde é mais fácil ser militante político. Junta-se assim a ideologia e o corporativismo. Quando o PT ganha, os militantes-servidores querem ocupar os cargos de comando, quer sejam diretorias ou simples gerências técnicas.     
Já os aliados do governo Lula querem ocupar os cargos pelos mesmos motivos de sempre: acomodar os correligionários, exercer influência, fazer caixa de campanha ou simplesmente roubar. Sem contar que, como se viu  no caso Valdomiro, a corrupção não é exclusividade da direita.     
Repetindo, qual o propósito político de se nomear alguém para uma Diretoria de Administração de Materiais? Nenhum. O caso aí simplesmente dar emprego bom a um militante ou colocar alguém para, digamos, facilitar as coisas para os amigos.     
Por um lado ou por outro, o governo Lula avança na máquina pública como praga de gafanhotos. Dá ineficiência ou roubalheira. Reparem os setores que vão bem ? são aqueles onde não mandam nem os companheiros nem os fisiológicos. Publicado em O Estado de S.Paulo, 30 de maio de 2005

Deixe um comentário