ARGENTINA

. Artigos A hora da verdade ainda não chegou   Os pacotes anteriores do presidente Fernando de la Rúa e seu ministro da Economia, Jose Luiz Machinea, faziam sentido: havia uma combinação de aumento de impostos e corte de gastos públicos com o objetivo de reduzir o déficit fiscal e, por consequência, diminuir a necessidade do governo tomar novos empréstimos. A idéia, num clássico estilo FMI, era restabelecer a credibilidade. O último pacote argentino, lançado nesta segunda, também faz sentido: trata-se de uma redução de impostos e de encargos para empresas que fizerem novos investimentos e contratarem pessoal. Há também benefícios e garantias para pessoas que comprarem casa própria. Numa economia que corre o risco de afundar em grave deflação – quando empresas não investem e consumidores não compram, todos temendo o pior – é preciso dar estímulos de gastos para pessoas e empresas. O que dificilmente faz sentido é juntar esses pacotes de orientação diversa. Em política econômica, é preciso ter objetivos precisos, de modo que todos reconheçam o rumo à primeira vista. Quando é preciso dar muitas explicações, a coisa já complicou. O governo de la Rúa hoje repete muitas circunstâncias do governo FHC no segundo semestre de 1998, na crise que antecedeu a desvalorização do real. A origem de tudo é a brigalhada dentro da coligação governista em torno de questões políticas (a repartição do poder) e da linha dominante de política econômica. Enquanto não se decide a parada, o governo avança em zigue-zague. Ora, a turma do ajuste fiscal emplaca um pacote; ora o pessoal que quer mudar a política cambial parece estar mais perto do presidente. É verdade que ainda é dominante na Argentina o apoio ao câmbio fixo (um peso igual a um dólar, a conversibilidade). Mas há uma diferença em relação ao passado. Antes a maioria pró-paridade acreditava nas virtudes dessa política. Hoje, essa maioria se forma pelo lado negativo, porque não se vislumbra alternativa. Nesse ambiente frutifica justamente o debate em torno das alternativas – e essa discussão, por si, enfraquece a política cambial. Esse não foi apenas o caso brasileiro, mas o de todos os países que passaram por mudanças bruscas de política econômica. (Raul Alfonsín, presidente da UCR, o partido de la Rúa, falou contra a paridade. Anuncia-se que Domingo Cavallo, o criador da conversibilidade, apresentará estudo mostrando como a falta de reformas enfraquece o regime cambial. Não lembra a escalada de ataques à política cambial de Gustavo Franco?) Lembram-se como a crise terminou no Brasil: com a desvalorização do real (que custou a cabeça de dois presidentes do Banco Central), seguida da adoção do regime de metas de inflação e da adesão firme do governo ao programa de ajuste fiscal baseado no acordo com o FMI. Depois dos três meses turbulentos que se seguiram à desvalorização do real, o cenário apareceu claro a todos. O governo se aferrou a ele, e assim foi. Algo parecido terá de acontecer na Argentina. Não digo que a desvalorização é fatal, mas para escapar dela, que seria dolorosa, o pessoal lá terá encontrar um novo arranjo, uma mudança forte, que recomponha a base política e relance a política econômica numa determinada direção que todos vejam como clara e factível. Até lá, vai ser assim, derruba daqui, agarra dali. (Veiculado inicialmente, em versão um pouco diferente, no site da Patagon)

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