APESAR DE TUDO, O CRÉDITO CRESCE

. Fome de crédito        
O  crédito ao consumo está em plena expansão no país e não é preciso ler nenhum relatório do Banco Central para saber disso. Basta um passeio pelo centro financeiro de alguma cidade, especialmente naqueles que ficam perto de locais populares, quer dizer, locais em que circulam pessoas das classes C, D e E. Bancos e financeiras disputam clientes colocando imensos cartazes nas vitrines oferecendo crédito pessoal a partir de R$ 100,00.     
Mesmo sem sair de casa é possível observar o fenômeno. Basta prestar atenção na propaganda de rádio e tevê, também especialmente nos programas considerados populares. Você vai perder a conta de quantas instituições estão oferecendo crédito a aposentados e pensionistas. Também a partir de quantias bem baixinhas, sem necessidade de aprovação do crédito, afirmam os anúncios, o que desde logo barateia o custo da operação.     
Trata-se do crédito com desconto na folha de pagamentos do INSS, seguríssimo, daí a dispensa da ficha de aprovação. Modalidade recém iniciada, em meados de fevereiro último essas operações já alcançavam R$ 3,6 bilhões, com 1,4 milhão de contratos. E atingindo apenas 7,5% dos potenciais beneficiários desses empréstimos ? ou seja, haja espaço para expansão.     
O que está acontecendo? como o crédito pode estar aumentando se desde setembro do ano passado, o BC vem aumentando a taxa básica de juros? As taxas médias de mercado efetivamente aumentaram de lá para cá. E continuam existindo taxas que são quase criminosas.     
Semana passada, na porta de entrada de uma financeira, na praça do Patriarca, em São Paulo, um anúncio confessava a cobrança de juros de 5,9% ao mês para crédito pessoal. A lei manda informar a taxa e eles o fazem. Mas o que se destaca no cartaz é o contraste da letra grandona anunciando prestação mensal bem baixinha, no caso começando em 17 reais, com as letrinhas informando os juros altíssimos. Ora, pensa o futuro cliente, 17 reais é moleza. Final de campeonato, o cara precisando de uma tevê nova, quem se importa com os 5,9% de juros? (e que, afinal, ninguém sabe mesmo calcular).     
Há mercado, portanto, mesmo para juros altos. Mas para muita gente, os juros caíram. Trata-se do trabalhador com carteira assinada e do aposentado e pensionista que ganharam acesso ao crédito com desconto direto na folha de pagamento. No caso dos trabalhadores, esses empréstimos consignados já superaram os R$ 14 bilhões em fevereiro, com uma fantástica expansão de 98,7% nos últimos doze meses. Ou seja, a coisa pegou e continua crescendo.     
Os juros podem sair na casa dos 2% ao mês, dada a segurança do negócio para o banco. O pessoal está pegando esse dinheiro com duas finalidades, basicamente. Uma para matar dívidas mais caras, como do cheque especial ou cartão de crédito. De fato, o crédito nessas modalidades está praticamente estagnado. A outra finalidade é para gastar mesmo no consumo.     
Mas também está em forte expansão o crédito vinculado à aquisição de automóvel e outros bens, igualmente com juros menores. Grandes bancos entraram pesado nesse ramo, comprando carteiras de pequenas instituições há anos especializadas no varejão ou se associando às grandes lojas, também com ampla competência na concessão de empréstimo às classes D e E.     
Esta é uma mudança esttrutural. Reúne a experiência das cadeias de lojas com a capacidade financeira dos bancos. Os inúmeros negócios de bancos grandes com o comércio sugerem também que esse mercado está se tornando bem competitivo e disputado.     
Tudo somado, os empréstimos para pessoas físicas alcançaram R$ 120,8 bilhões em fevereiro, uma forte expansão de 32% em 12 meses, dos quais sete de alta dos juros básicos.     
Eis aí, se a política monetária macro é restritiva, uma série de medidas no nível micro levaram a uma expansão do crédito e, em muitos casos, a uma redução dos juros.     
Parece uma contradição ? e é mesmo uma restrição à política monetária. Mas esta é de curto prazo, conjuntural, e as alterações no crédito são estruturais. E positivas. Com tudo isso, as operações totais de crédito ? direcionado e livre, para pessoas físicas e jurídicas ? alcançaram quase R$ 500 bilhões em fevereiro, uma expansão de 20% em 12 meses, mas representando apenas 26,7% do PIB.     
Duas conclusões, portanto: uma, medidas micro econômicas podem ser muito eficientes e produtivas; duas, a economia brasileira continua sedenta de crédito.  Publicado em O Estado de S.Paulo, 04 de abril de 2005

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