A PRIVATIZAÇÃO, OUTRO CASO

. Mais um caso de privatização     
O apagão da aviação civil é um exemplo perfeito de como está errada a gestão dos serviços públicos no Brasil.     
Começando pelo dinheiro: afirma-se que o sistema de tráfego aéreo foi vítima da política de controle dos gastos públicos, em especial do superávit primário, a economia que o governo faz nas despesas para pagar a conta de juros. Estão vendo? – se diz, resolvem pagar juros para os banqueiros e aí não sobra para o controle de tráfego.     
Falso. Seria correto se todo o setor público estivesse submetido a um forte arrocho. Entretanto, diz o relatório da Secretaria do Tesouro: o aumento dos gastos do governo federal em 2005 foi de 16,5%; nos primeiros nove meses deste ano, foram mais 16% de alta, sobre o mesmo período de 2005. Como a economia brasileira cresceu apenas 2,6% na média dos dois últimos anos, verificou-se um aumento real, e forte, dos gastos públicos. Portanto, não faltou dinheiro para todo o governo nem para todo o seu pessoal. Aliás, as despesas com salários do funcionalismo estão subindo 12% neste ano, em cima de uma alta de 10,3% em 2005.     
Obviamente, faltou dinheiro para os controladores do tráfego aéreo, mas não para outras categorias, algumas, aliás, com os maiores salários do governo. Eis algumas comparações.      
Segundo informa a Aeronáutica, há 2.683 controladores em atividade, com salários variando de R$ 1.800 a R$ 4 mil. Suponhamos que se concedesse um aumento linear de 10 mil reais mensais para todos, uma farra. Isso custaria pouco menos de R$ 350 milhões/ano. É algum dinheiro, mas o governo federal vai gastar neste ano mais de R$ 100 bilhões na rubrica de pessoal. E gastou R$ 5 bilhões com o reajuste de várias categorias. Como dizer que não havia verba para os controladores?     
Outra comparação: se o governo economizasse R$ 1,65 no reajuste do salário mínimo, já sobrariam os recursos para dar 10 mil de aumento a cada controlador. É isso mesmo: um real e 65 centavos a menos no mínimo faria a festa dos controladores. Só que, naquele momento, com as eleições começando a esquentar, os 350 reais para o mínimo faziam efeito maior, não é mesmo?     
Portanto, havia dinheiro.     
Segue a sequência de equívocos. Se quisesse conceder os 10 mil de aumento, o governo não conseguiria. Primeiro, porque a maior parte dos controladores (2.112) é formado por militares da Aeronáutica, muitos sargentos. Gahando R$ 11,8 mil, o sargento-controlador estaria recebendo mais que um brigadeiro. Não pode. Aí teria que aumentar proporcionalmente todos os soldos da Aeronáutica e, para equiparar, do Exército e da  Marinha ? e a conta já estourou. Por outro lado, não é possível aumentar só os civis e não os colegas militares que estão ali ao lado fazendo a mesma função.     
Portanto, as promessas do governo de aumentar o salário dos controladores não poderão ser cumpridas sem uma alteração na estrutura do serviço, basicamente para desmilitarizá-lo. O que também é simples, pois os atuais controladores militares teriam que ser desmobilizados da Aeronáutica e depois recontratados (sem concurso?) como civis.     
Pode-se dizer que não é assim tão difícil desembaraçar essa burocracia. Talvez, mas o ministro da Defesa, Waldir Pires, só se reuniu com os controladores no sétimo dia do apagão e se declarou surpreendido com o que encontrou. Reclamou que não haviam lhe contado nada.     
De onde fica evidente o equívoco essencial: o sistema de controle do trafego aéreo não tem nada que ser militar, muitíssimo menos estar sob o controle do Ministério da Defesa, especialmente da atual administração.     
Parece simples a solução. Trata-se apenas de criar um órgão civil, talvez mais uma estatal, ou ainda transferir para a Infraero, que já administra os aeroportos, o controle do tráfego.     
Simples? No governo? O sistema de radares, por exemplo, pertence à Aeronáutica, encarregada de vigiar o espaço aéreo nacional. O que fazer? Partilhar os radares ou construir um novo, e caro, sistema? Como partilhar?     
Não se trata, aqui, de criar caso, mas de mostrar como equívocos de origem na construção do sistema criam obstáculos monumentais à sua própria reforma ? um dos temas constantes neste espaço.     
E por falar nisso, os leitores podem até pensar que é provocação ou idéia fixa desta coluna, mas resulta evidente que todo o sistema funcionaria melhor se fosse privado, dos aeroportos ao controle do tráfego. Começa que o sistema seria autofinanciado.     
Hoje, passageiros e companhias aéreas pagam taxas salgadas, como a tarifa de embarque, que deveriam ser integralmente destinadas ao financiamento de todos os serviços, da manutenção e construção de aeroportos, até o sistema de controle do tráfego.     
Se tudo isso estivesse por conta de uma entidade civil autônoma, uma concessionária privada ou, digamos, uma associação formada pelas empresas aéreas e representantes dos passageiros, o dinheiro iria direto para o caixa dessa administradora. Hoje, nessa confusão de administração civil e militar, o dinheiro circula pelo caixa do governo e aí cai nas prioridades dos governantes do plantão.     
É verdade que a estatal Infraero está tocando obras pelo Brasil afora, no que faz muito bem. Mas é evidente que o serviço está atrasado e é insuficiente. Aeroportos recém reformados, como Congonhas, continuam congestionados. Mas, como estatal, a Infraero não tem recursos para mais. A prioridade do gasto público há muito tempo não está nos investimentos em infraestrutura.     
Por que não privatizar aeroportos e/ou passar a construção de novos a empreiteiras? O presidente Lula não gosta da palavra privatização. Diz que isso é vender patrimônio, algo muito diferente, acrescenta, de conceder serviços públicos a empresas privadas, nacionais ou estrangeiras, inclusive pelo sistema das Parcerias Público Privadas. Isso ele topa.     
Já serve. Eis um projeto para o segundo mandato: conceder todo o serviço aéreo, do aeroporto ao controle, a empresas privadas. Nem precisaria vender a Infraero, ela ficaria, competindo com as privadas, perdão, com as parceiras. Já pensaram, poder escolher entre embarcar num aeroporto da Infraero ou em outro administrado por uma concessionária privada? Publicado em O Estado de S.Paulo, 06 de novembro de 2006

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