A parte do governo

Não se trata apenas de cobrir alguns buracos das contas públicas. O discurso

de posse do ministro Joaquim Levy vai mais longe: revalida a tese segundo a qual a austeridade é virtude permanente e, sobretudo, a base para o crescimento da renda e do emprego.

 

                  É o contrário perfeito da política dos anos 2011/14, período em que o então ministro Guido Mantega, falando pela presidente Dilma, definia superávit primário – gastar menos do que se arrecada – como um  sacrifício a fazer em determinados momentos. O certo era gastar mais para estimular a atividade. Economia, austeridade – isso só para acalmar o mercado, este entendido como a súcia de especuladores e banqueiros. Por isso, o então ministro apresentava aquelas contas marteladas, que davam uma aparência formal de equilíbrio do orçamento federal. No fundo, entendiam, ex-ministro e presidente, que fazer superávit primário elevado, definindo-se a austeridade fiscal como prioridade, era o caminho da recessão e do desemprego.

 

                  E quer saber? É muito provável que essas duas coisas aconteçam neste ano. O desemprego deve ser maior que em 2014. E não digo recessão, mas que o PIB vai crescer muito pouco, se crescer, não há dúvida. Isso dará a impressão de que a política anterior estava certa. Será só impressão, porque o país ainda levará algum tempo para se livrar dessa herança do baixo crescimento com inflação e juros elevados. Ou seja, o problema não estará no remédio da austeridade, mas na lambança anterior. Mas como isso não é simples de explicar , a turma do Mantega poderá apontar o dedo: não falei?

 

                  Não é uma disputa nova. Na verdade, debate-se sobre isso no mundo todo, sempre que há uma crise ou problemas graves a atacar. Todo mundo sabe que, em qualquer país, o governo sempre gasta bastante e o setor público tem papel muito forte, se não dominante. A convergência acaba aqui. Como e onde gastar? Até quando se pode usar o déficit das contas públicas para animar a economia?

 

                  Para um dos lados (para simplificar: a turma que anda elogiando o ministro Joaquim Levy),  esse tipo de política é sempre provisória e deve ser conduzida de modo a manter as bases do equilíbrio fiscal para o pós-crise e para quando a economia já estiver se reanimando. Ou seja, o equilíbrio das contas é sagrado, vem na frente. E mesmo quando não há crescimento – caso atual do Brasil – isso não decorre da falta de gasto público, mas, ao contrário, por excesso de gastos perdulários e mal feitos.

 

                  Para o pessoal do outro lado, é um absurdo pregar e praticar austeridade quando a economia anda devagar. O prêmio Nobel Paul Krugman vem dizendo isso há muitos anos a propósito dos EUA e da Europa. E estava errado, notou Jeffrey D. Sachs, em artigo publicado ontem pelo Valor Econômico.

 

                  Os números: em 2011, o déficit no orçamento federal dos EUA era de 8,4% do PIB; caiu para 3% no ano passado;  o desemprego, no mesmo período, caiu de 8,6% para 5,8%; o PIB, que crescia a 1,2% em 2011, está evoluindo no ritmo de 3% ao ano.

 

                  Querem mais? A Grã-Bretanha, cujos eleitores votaram na plataforma conservadora de David Cameron em 2010, apresenta os melhores resultados na Europa. O déficit público saiu de 8,4% do PIB  para 4% no ano passado; o desemprego, de 7,9% para 6%. E dos países do Euro, a Alemanha, onde quase todo mundo é “fiscalista”, mostra o melhor desempenho. Já a França, onde François Hollande se elegeu com a plataforma anti-austeridade, continua patinando.

 

                  De novo, não se trata de tirar o governo da jogada. Mas de respeitar uma simples equação: o governo deve gastar ali onde o setor privado não funciona bem para toda a população – educação, saúde e segurança, por exemplo. E deve se financiar não com déficits crescentes, mas com impostos corretos e justos. Contas públicas desarrumadas estragam todos os demais esforços.

 

                  A parte do governo

 

                  E por falar nisso, eis alguns dados compilados pelo Telebrasil, o sindicato das empresas de telecomunicações: de 2002 a 2013, os usuários pagaram R$ 1,7 trilhão (em valores correntes). Desse total, algo com o faturamento bruto, a maior parte ficou com o governo: foram nada menos que R$ 510 bilhões de tributos arrecadados (30%).

 

                  Mas há mais, segundo os números preparados pelo secretário-geral do sindicato, Cesar Romulo. Descontando-se custos e outros gastos, o valor adicionado distribuído pelo setor, mais ou menos a riqueza gerada, foi equivalente à metade do faturamento, em torno de R$ 850 bilhões. Logo, os 510 bilhões recolhidos pelo governo  representam quase 60% dessa riqueza produzida.

 

                  Sabíamos que pagávamos impostos demais. Mas, caramba!

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