GOVERNO NÃO FISCALIZE …. E IMPÕE REGRAS

. Um antibiótico por um picolé

Calor de rachar asfalto, você se arrasta pela calçada quando topa com a visão maravilhosa de uma geladeira de sorvetes. Entra na loja, apanha um picolé, e, quando chega ao caixa, percebe que está numa farmácia. Aí, você pensa: ?bem, já que estou aqui, vou tomar uma injeção de antibiótico?.
Brincadeira?
Mas foi imaginando esse tipo de situação que Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) colocou em consulta pública (CP 69) uma proposta para limitar o que se pode vender em farmácias. Trata-se de eliminar a prática da automedicação, que seria estimulada pela presença na farmácia. O sujeito vai comprar um picolé de três reais e sai com um antiinflamatório de 50 reais.
Como todo mundo sabe, pratica-se a automedicação, especialmente porque é possível comprar remédios sem receita e sem recibo. Aqui está a dificuldade efetiva: não é simples fiscalizar as 55 mil farmácias espalhadas pelo país, além de toda a trama de comercialização de medicamentos, das fábricas e atacadistas ao varejo.
Como é difícil, ocorre essa idéia: reduzir o número de pessoas que entram nas farmácias para limitar as oportunidades de automedicação. Como o simples bom senso indica que quem procura remédio não está passando bem, parece lógico que a limitação de itens à venda nas farmácias só terá o efeito de eliminar uma fonte de receitas para esse comércio. E uma fonte de comodidade para consumidores, que encontram na farmácia da rua coisas que precisariam buscar no supermercado.
É mais ou menos a mesma coisa que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, quer fazer com o tráfego aéreo.
A infra-estrutura aeroportuária, sob controle total e administração exclusiva do governo, está claramente atrasada. Faltam desde aeroportos novos e/ou reformados, até equipamentos e sargentos controladores de tráfego, passando por vias de transporte adequadas para os aeroportos mais distantes.
Tudo considerado, dá para imaginar que os problemas de atraso e cancelamento de vôos, alvo da ira governamental, devem decorrer mais dessa precariedade do que da incompetência ou ganância das empresas.
A idéia de multar as companhias pelos atrasos não tem só o objetivo de dar dinheiro aos passageiros prejudicados. Só pode ter a finalidade de ao menos reduzir os atrasos, na medida em que as empresas tentariam evitar o prejuízo da multa.
Mas só vai contar para as multas o ?atraso líquido?, ou seja, o atraso descontado dos seguintes problemas: mau tempo, mau funcionamento dos equipamentos, congestionamentos no controle do tráfego aéreo, congestionamento nas pistas e eventuais operações padrão ou motins.
Vai sobrar o que, além de um enorme contencioso entre empresas, passageiros e órgãos governamentais para definir as culpas?
Como no caso das farmácias, o governo acha que impondo mais regras e mais custos às empresas resolve o seu problema de falta de fiscalização e falta de estrutura.
No caso das farmácias, aliás, há um outro projeto da Anvisa de implantar um sistema totalmente informatizado, pela internet, para registro e acompanhamento on line das vendas de medicamentos controlados. Tudo bem, se houvesse banda larga em todos os municípios do país. E se as pequenas farmácias do interior distante tivessem bons computadores.
No caso dos aeroportos, o Ministério da Defesa também apresentou para consulta a proposta de aumentar pesadamente as tarifas cobradas das companhias para operação nos aeroportos de Congonhas e Cumbica. Objetivo: encarecendo um serviço, o consumo deve se desviar para outro mais barato, como o aeroporto de Galeão.
Mas isso só funcionaria se o outro serviço atendesse à demanda do mesmo consumidor. E não é o caso. O tráfego aéreo é concentrado naqueles dois aeroportos de São Paulo porque a demanda está lá.
A maior parte dos passageiros viaja a trabalho e a maior parte dos negócios está centralizada em S.Paulo. Assim, o pessoal vai continuar tendo que viajar de e para São Paulo e as companhias terão de atender essa demanda, mesmo sendo mais caro essa operação. Ou seja, o preço das passagens vai subir, de um modo ou de outro.
Daqui a pouco vão querer proibir farmácias em aeroportos para impedir que o sujeito entre para comprar um comprimido para dor de cabeça e resolva voar para Congonhas.

Publicado em O Globo, 06 de dezembro de 2007

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