O PT NA OPOSIÇÃO AO PT

. Só o PT na oposição Eis a prova que faltava para se demonstrar que o atual governo Lula, na política econômica, é uma continuidade do governo FHC: a maior oposição vem do … PT. Se José Serra tivesse vencido a eleição, como estaria o quadro hoje? A diretoria do Banco Central seria exatamente a mesma, apenas com Armínio Fraga no lugar de Henrique Meirelles. O BC certamente teria elevado os juros, sendo que Serra e seu ministro da Fazenda teriam dito que não gostavam disso mas que não havia alternativa, dada a inflação e o ambiente externo hostil, como disseram o ministro Antonio Palocci e outros líderes do PT. E quem estaria dizendo que esse negócio de elevar juros não funciona, que o modelo neoliberal está falido? O PT, claro. E hoje, como é de fato? Todos os partidos ou estão de lua de mel com o governo ou estão com medo de fazer oposição ao presidente Luis Inácio Lula da Silva e sua incrível taxa de aprovação, quase unamidade nacional e internacional. Só quem está criticando é esse pessoal da esquerda do PT. Ok, não é a mesma coisa que ocorria no governo FHC. Naquele período era todo o PT que criticava a política econômica, incluindo lideranças como José Genoíno, Guido Mantega (atual ministro do Planejamento) e o deputado Aloizio Mercadante, hoje senador, todos agora favoráveis à atual gestão Fazenda/BC. Mas permanece a constatação: a única oposição forte contra o atual governo vem de dentro do próprio PT. Exceto a esquerda petista, ninguém mais criticou a manutenção da diretoria do BC, a recente elevação dos juros e a ida de Lula ao Forum Econômico Mundial. Essas críticas não têm se limitado à política econômica. Incluem também as reformas, especialmente a da Previdência. A direção do PT tem sido dura no propósito de enquadrar os rebeldes ostensivos. O problema é que, além destes, há os descontentes silenciosos, gente que não está gostando, mas se cala ou porque ocupa cargos no governo e acha que pode desenvolver ao menos uma política setorial ou porque acha que as coisas vão mudar mais à frente. Ocorre que, do ponto de vista formal, os rebeldes e os descontentes têm um argumento importante. O processo de moderação do PT ocorreu em meio à campanha eleitoral. Recentemente, o ministro Palocci disse que a cúpula petista percebeu que precisava mudar sua visão acerca da política econômica apenas em maio do ano passado, no calor da campanha e quando o dólar iniciava sua disparada, antecipando o temor de um futuro governo de esquerda populista. Nesse processo, o PT foi produzindo documentos de campanha, como a Carta ao Povo Brasileiro, que sinaliza a mudança dos conceitos de política econômica, na direção da ortodoxia. Mas, e este é o argumento dos rebeldes e descontentes, os documentos oficiais do PT, aqueles aprovados em reuniões formais, como o Encontro Nacional de dezembro de 2001 em Olinda, não foram substituídos nas mesmas instâncias partidárias. Assim, formalmente, continuam valendo – e esses textos, como o “Ruptura Necessária”, de Olinda – não têm nada a ver com política econômica do governo Lula. Portanto, para enquadrar de vez esse pessoal, a direção do PT, o PT que está no governo, precisa providenciar um novo Encontro Nacional e aprovar novas diretrizes partidárias. Nesse caso, os rebeldes e descontentes não terão alternativa senão calar-se ou deixar o partido. Enquanto isso, fica essa coisa meio confusa e instável. Não se pode esquecer que é propósito do governo encaminhar ao Congresso Nacional uma medida que arrepia a esquerda petista: o projeto de autonomia do BC que, de outro lado, é uma pedra de toque para a política econômica ortodoxa. Os chamados agentes econômicos aguardam ansiosamente a aprovação dessa lei para baixar a guarda diante do governo Lula. No final da semana passada, a senadora Heloisa Helena, líder e símbolo da esquerda petista, pedia que o governo ao menos adiasse o envio das propostas de autonomia do BC e de reforma da Previdência, para favorecer o processo de conciliação. Mas se o governo aceitar o adiamento, vai reforçar a suspeita de que, em vez de enquadrar os rebeldes, a direção petista corre o risco de ser enquadrada por eles. Ou seja, não se trata de um problema interno do PT. Tem a ver com credibilidade do governo como um todo e, muito especialmente, da capacidade de manter o rumo da política econômica. Só para lembrar: partidos de esquerda que desenvolveram estratégias semelhantes, como o Trabalhista inglês e o Social Democrata alemão, o fizeram antes de chegar ao governo e solenemente. As mudanças – como a eliminação dos artigos dos estatutos que definiam os partidos como marxistas e pregavam estatização completa – foram aplicadas em congressos nacionais. Nos dois casos, a ala esquerdista radical abandonou o partido. Publicado em O Estado de S.Paulo, 10 de fevereiro de 2003

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