A FALTA QUE NOS FAZ UMA BOA DIREITA

. A falta que nos faz uma boa direita Qual é o momento ideal para a chegada da esquerda ao governo? É quando sucede uma boa administração de direita. Exemplo: Tony Blair na Inglaterra. A longa administração conservadora, especialmente no período de Margareth Thatcher, fez o trabalho sujo de demitir funcionários, destruir os sindicatos de empresas estatais (e depois privatizá-las), além de desregulamentar a economia, tirando direitos e enfrentando a pesada burocracia do Estado. Claro que não foi só isso. Thatcher pilotou também a reconstrução, conseguiu um bom período de crescimento econômico, base aliás de sua permanência no poder. Depois, a administração conservadora se desgastou, mas o serviço principal estava feito, a quebra do imenso, custoso e já ineficiente Estado do bem estar. Aí vem Tony Blair com a suave conversa da reconstrução do social, da retomada dos investimentos públicos em educação, saúde e segurança, de modo a garantir a todos igualdade de oportunidades em uma economia livre, aberta e competitiva, a qual, aliás, deveria continuar assim. Intervenção do Estado na economia, reestatizações, isso nunca mais. De maneira que os eleitores foram trocando, conforme a ocasião. Elegeram o Partido Trabalhista, que instalou o Estado do Bem Estar, depois fartaram-se dos excessos dessa administração, que estatizava tudo de grande que via pela frente, como disse Churchill, e finalmente entregaram o poder para Thatcher desmontar tudo. E aí devolveram o governo à esquerda. Já entre nós, quando o eleitorado comprou a idéia de que era preciso desmontar o Estado excessivo e abrir a economia, porque só produzíamos carroças protegidas, acabou elegendo Fernando Collor, cuja agenda correta para o momento não resistiu ao caixa de PC. E terminou que a agenda liberal caiu no colo de Fernando Henrique. Menos por escolha e mais por imposição da realidade histórica. Ou seja, não foi que FHC liderou um movimento dentro de seu partido e junto aos aliados para construir uma agenda comum de reformas. Para dizer francamente, pelo menos no começo, foi tudo no vai da valsa. As trapalhadas seguidas de Itamar Franco e sua absoluta incompreensão da economia brasileira o levaram a trocar seguidos ministros da Fazenda, até que a pasta caiu, de novo, no colo de FHC. Aí valeram a sabedoria e aguda percepção política do professor, que definiu logo o inimigo imediato – a superinflação – e escalou a equipe certa para atacá-lo. Então, foi na sequência: para consolidar o combate à inflação, era preciso fazer o ajuste fiscal, vale dizer, controlar o déficit das contas públicas, para o que eram necessárias as reformas, incluídas as privatizações. Eis aí, a agenda liberal se impôs no calor dos acontecimentos. Daí as dificuldades de implementação. Não foi como na Inglaterra, quando Thatcher apresentou a agenda liberal ao eleitorado e obteve ampla maioria para realizá-la. Aqui, FHC, vindo da esquerda, eleito com base nas novíssimas notas de um real, precisou construir essa agenda momento a momento. Excetuada a equipe econômica, quase ninguém entre seus colaboradores e seguidores estava preparado para a missão. Tratava-se de uma elite intelectual criada nas idéias socialistas e social democratas, que viu ruir o Muro de Berlim e alcançou o poder em um mundo em que só existia capitalismo – e numa fase de liberalismo à americana. Além dessa turma, havia os velhos políticos do PFL, PMDB, PTB e por aí afora, todos acostumados a viver em torno do Estado. Os políticos que, por exemplo, ao longo de anos aprovaram no Congresso as leis que garantem os privilégios aos funcionários públicos, seus pares permanentes. Ou que se acostumaram a tirar poder da nomeação de correligionários para as estatais ou do controle dos seus orçamentos. Lembram-se que deputados tinham cotas para vender aço das usinas estatais? Visto assim, a gente até se espanta de ver quanto o governo FHC avançou na agenda de desmontar os cartórios e as velhas lideranças. Mas, é claro, não terminou o serviço. E esse serviço, eis outra peça do destino, ficou para um governo ainda mais à esquerda. É o nosso problema, o eleitorado se cansou de uma agenda liberal antes que ela tivesse sido completada. E elegeu um governo de mudança que topa com os entraves causados justamente pela não conclusão da agenda liberal. Por exemplo, como Lula pode aumentar os gastos sociais sem completar a reforma da Previdência que, digamos claramente, tem o objetivo de fazer com que os funcionários públicos trabalhem mais tempo, paguem mais e recebam aposentadorias menores? Como conseguir mais empregos sem mexer na legislação trabalhista, isto é, sem tirar direitos da constituição e da lei e passá-los para a negociação sindical? Como FHC, Lula não se elegeu com a agenda de reformas. Mas não pode avançar nas mudanças sem completar as reformas e sem manter a política econômica ortodoxa. De certo modo, os dois governos acabaram bem parecidos: construir alianças a meio do caminho para implementar reformas difíceis. Tudo considerado, eis o que sempre nos faltou: uma boa direita, moderna, capaz de ganhar uma eleição com uma agenda liberal e implementá-la rigorosamente. E depois abrir espaço para uma boa esquerda, também moderna, que se eleja para fazer o seu serviço, que é gastar com os pobres, com educação, saúde e segurança. Um fazendo o serviço do outro, tudo em meio a grossa fisiologia, sempre dá confusão. Publicado em O Estado de S.Paulo, 27 de janeiro de 2003

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