A CRISE DO FUNCIONALISMO . . . VAI PIORAR

. Colhendo tempestades O PT passou quatro anos dizendo que o governo FHC planejava desmoralizar e, por fim, destruir o serviço público, de maneira a abrir espaço para uma ampla privatização. Assim, desqualificou todos os esforços de reforma administrativa e prometeu não apenas reajustar os salários. Isso, a reposição da inflação, era o mínimo, dizia Lula. Mais do que isso, seu governo iria “resgatar a dignidade do serviço público”, o que se traduzia em: novos concursos, mais contratações, melhores condições de trabalho, planos de carreira generosos para todos. Ganhou as eleições e percebeu o óbvio: não tem dinheiro para um reajuste de mais de 2%. Mas como o PT dizia que era mentira do governo FHC a alegação da falta de recursos, essa desculpa não cola. Resultado, prosperam as greves do funcionalismo público federal. O pessoal tem razão: não estava tudo combinado? Mas há um outro fator que reforça o sentimento de traição. A ampla maioria do funcionalismo era simpatizante do PT. Não quadros, mas eleitores fiéis. O PT é um partido de militantes, gente que dedica a vida – e não raro sacrifica carreiras profissionais – a trabalhar para o partido. É óbvio que, o PT ganhando, esses quadros querem ir para o governo. E estão sendo levados, em uma ampla ocupação da administração pública federal, dos cargos mais altos aos de base. Com isso, desalojam-se antigos funcionários – chefes, gerentes intermediários – que frequentemente eram simpatizantes do PT. Dupla frustração, portanto. O governo Lula não entrega os reajustes e as vantagens prometidas e ainda toma empregos de eleitores. Pode anotar: as greves vão aumentar cada vez mais. A chance de repressão é quase zero. O governo tem a consciência culpada e não pode reprimir sindicatos e centrais petistas. Estes ficarão espremidos entre as bases e o governo sem dinheiro. A Força Sindical deita e rola. Se forem competentes, PSDB e PFL podem arrumar um monte de votos com essas paralisações de serviços públicos. Choque externo de novo? Não é um atentado, por maior que seja, que abala o mercado financeiro. É o medo de que os atentados se multipliquem, se espalhem por vários países e se repitam com tanta frequência que caracterizem uma guerra mundial. E uma guerra pior, pois o inimigo não está do outro lado da trincheira ou da fronteira, mas circula por aí, na mesma rua, no mesmo trem. A guerra contra o terror islâmico tem ainda um forte elemento econômico: boa parte do petróleo mundial está em países que, nesse processo, podem cair na mão de radicais. Tudo isso certamente derrubaria a economia mundial, bloquearia o comércio e os investimentos, levaria ao chão o mercado financeiro. O atentado de 11 de setembro de 2001 gerou esse medo – e os mercados desabaram. O gráfico ao lado mostra a evolução do índice Dow Jones, da bolsa de Nova York. Note-se que a recuperação pós-World Trade Center foi relativamente rápida. No primeiro trimestre de 2002, o índice já voltara à casa dos 10 mil pontos. Foi derrubado em seguida pelo caso Enron – o primeiro de uma série de balanços fraudulentos de grandes companhias. Foi até pior que a queda das torres. Se o investidor não pode confiar no valor declarado das ações, o que mais sobra? Mas os outros dois tombos do Dow Jones tiveram a ver com o terrorismo. Primeiro, em outubro de 2002, quando o Congresso americano autorizou o presidente George Bush a invadir o Iraque. Depois, já em 2003, quando a invasão ocorreu, sem o apoio de aliados importantes e das Nações Unidas. O medo ali era de uma longa resistência no Iraque e a expansão do conflito para outros países petrolíferos. Mas a sequência foi positiva. O mercado comemorou a queda rápida de Sadam Hussein e, a partir daí, o valor das ações refletiu mais de perto o fim da recessão americana e as expectativas de recuperação. O atentado de Madri surpreendeu a Bolsa de Nova York no mesmo nível em que estava em 10/09/01, na vizinhança dos 10.500 pontos. A queda desta vez, claro, foi muito menor, quase nada em comparação. No caso da WTC, o pregão de Nova York foi tirado do ar por vários dias. Agora, a coisa aconteceu na distante Europa. Praticamente todos os mercados se recuperaram na sexta-feira, inclusive a Bovespa. Mais uma vez prevaleceu a interpretação moderada: se o mundo não está livre de atentados, também está longe de um surto terrorista mundial. E assim vai. Menos mal. Depois de tanto sacrifício aqui dentro, quando o pior já passou e o país pode entrar num período de crescimento, seria mesmo muito azar se um choque de terror cortasse o financiamento externo à economia brasileira. Publicado em O Estado de S. Paulo, 15/03/2004

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