A CRISE DE HOJE NÃO É IGUAL À DE 30

. —É menor —-

As comparações da crise atual, nos EUA, com a Grande Depressão de 1929 são tão frequentes quando as comparações entre o New Deal de Franklin Roosevelt e os planos de Barack Obama.
Fazem sentido?
No que se refere à crise, a resposta é não, escreve o economista Daniel Gross, colunista de Newsweek e de Slate, revista eletrônica. Em comum, as duas situações têm a mesma origem, uma crise financeira, e a mesma consequência, uma redução no consumo. Mas as circunstâncias são de tal modo diferentes que 2008 parece coisa leve diante de 1929 e anos seguintes.
Eis os principais pontos:
. em 1933, quando Roosevelt assumiu, quatro mil bancos comerciais tinham ido à falência, destruindo as poupanças de seus clientes hoje, até agora, apenas 19 bancos quebraram, mas a ampla maioria dos clientes teve seu dinheiro protegido pelos seguros de depósitos
. em 1929, a recessão começou em agosto e durou espantosos 43 meses em 2008, começou no terceiro trimestre e, pelas previsões do Federal Reserve e de maioria dos economistas, termina em junho de 2009
. em 1929/33, o desemprego foi a 25%, a renda nacional caiu pela metade, e não Seguridade Social agora, a pior previsão do Fed é de um desemprego chegando a 7,6% em 2009, com seguro desemprego, e a economia encolhendo 1%
. em 1929, o então secretário do Tesouro, Andrew Mellon, dizia que a falência de trabalhadores, investidores em ações, fazendeiros e proprietários teria o efeito positivo de fazer com as pessoas ?trabalhassem duro, com mais valores morais? agora, as autoridades econômicas e monetárias estão fazendo de tudo e gastando um monte de dinheiro público para resgatar pessoas e negócios
. em 1929/33, o Federal Reserve, surpreendido, elevou juros e apertou a política monetária hoje, o Fed, dirigido por um especialista na Grande Depressão, reduziu os juros agressivamente e injetou centenas de bilhões de dólares no sistema financeiro
. em 1930, as outras maiores economias do mundo, URSS, Japão e Alemanha, eram dirigidas por inimigos dos EUA e do capitalismo hoje, as maiores economias e os emergentes, no G-20, estão todos no capitalismo e coordenando esforços para superar a crise.
. depois da quebra de 1929, os EUA (e o mundo) esperaram mais de três anos para a eleição e posse de Roosevelt, ficando todo esse período sob a liderança de um presidente fraco e inerte, Herbert Hoover hoje, a espera é de dois meses, o governo Bush está agindo e Obama assume a liderança
Claro que o ponto fraco deste argumento está na avaliação do andamento da crise atual. Estamos no terreno das previsões ? e previsões em economia, neste momento, valem tanto quanto ações.
Seria a previsão do Fed ? de que a recessão cessa em meados de 2009 ? excessivamente otimista ou, como diria o presidente Lula, apenas uma conversa de médico para animar um paciente condenado?
Olhando bem, entretanto, não se trata de aposta. Há políticas em andamento e outras sendo preparadas pela equipe de Obama, numa direção conhecida. Qual é o problema? A falta de crédito e de confiança.
Pois o governo atual e o futuro coincidem na receita: canalizar trilhões de dólares para o mercado de crédito. Estão colocando dinheiro ? e são 200 bilhões de dólares ? até para esquentar os cartões de crédito!
A confiança ainda é baixa, mas Obama pode ser aí um fator importante, se o seu programa de geração de empregos parecer crível.
Aqui está, certamente, a grande diferença: a compreensão do problema e a ação forte no mundo todo. Só nesta semana, tivemos o pacote americano, o europeu e a redução dos juros na China.
Não é possível que esses trilhões de dólares não reanimem ao menos parte do organismo econômico.
Por outro lado, pode-se colocar em dúvida o efeito fiscal dessas políticas: o governo americano está simplesmente cavando um déficit monumental. Verdade, mas o mundo está disposto a financiar esse esforço. A demanda por títulos do Tesouro americano tem aumentado na medida em que investidores procuram negócio seguro. E os atuais maiores de detentores desses títulos ? China, Japão e inclusive Brasil ? não pretendem fazer nenhuma liquidação. Ou seja, os EUA tem espaço para combater a crise e cuidar do déficit depois, como aliás disse Obama.
É o outro ponto desta crise: não é interesse de ninguém quebrar o outro.
Resumo da ópera: pode até não dar certo, mas ninguém está parado. O mundo está fazendo um esforço enorme para limitar e abreviar a recessão.

Publicado em O Globo, 25 de novembro de 2008

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