LULA EM BUSCA DE RESULTADOS

. Menos enunciados, mais eficiência A política econômica escolhida pelo presidente Lula – a do ministro Palocci – precisa de sustentação em duas áreas: no Congresso, para a votação das reformas, e no próprio governo, para a aplicação da agenda de crescimento. Trata-se de ganhar eficiência política e administrativa. Para isso, Lula precisa mudar o ministério e o modo de viver com a base de apoio. Essa parece ser a resposta ao resultado das eleições. Mais uma vez perdeu a esquerda do PT e da base aliada: em vez de “mudanças históricas”, como as propostas pelo ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, o governo só não vai na linha “mais do mesmo” porque necessita de uma gestão melhor. Assim, o objetivo será “o mesmo com mais eficiência”. Se for isso, é o movimento correto. Tome-se o caso do BNDES. O que atrapalhou não foi apenas a ostensiva oposição à política econômica feita por Lessa. Isso certamente deve ter torrado a paciência de Lula e, agora, aliás, deve estar ofendendo. Na sexta-feira, discursando na própria manifestação de desagravo, o ex-presidente do BNDES disse que Lula “está sendo enganado pela elite brasileira”, sugerindo que o presidente não sabe bem o que está fazendo. Se Lessa dissesse essas coisas e fosse um executivo espetacular, já seria ruim. Mas com o maior banco de desenvolvimento da América Latina apresentando desempenho tão pobre, a situação ficou insustentável. Fazia tempo que o presidente queria mexer no BNDES. Em julho último, antes, portanto, da escalada de declarações de Lessa, havia convidado Cássio Casseb, então presidente do Banco do Brasil, para assumir o BNDES. Uma sinalização importante. Tratava-se, então, de trocar o porta-voz da esquerda econômica por um administrador formado no mercado privado. (A propósito, Casseb até aceitou, mas com a demora em se promover a mudança, o quadro se alterou. No começo de novembro, sabendo que sindicatos de bancários preparavam uma campanha pública, inclusive com faixas nas agências, para pedir sua cabeça, Casseb entendeu que estava na hora de antecipar seu desembarque no governo. Em conversa com Lula, chegou a mostrar documentos escritos nos quais os líderes sindicais combinavam a campanha). Mas essa é outra história. Com Guido Mantega no BNDES, o presidente certamente espera menos polêmica e mais serviço. Polêmica, não terá. Mantega já mostrou seu estilo pacífico no Ministério do Planejamento. Se será eficiente como executivo de um bancão, isso está por verificar. No Congresso, de outro lado, está toda uma agenda de reformas essenciais para a política econômica. No quadro desta política, não se pode esperar uma redução forte dos juros nem o aumento de gasto público via redução do superávit primário. Assim, o crescimento dependerá do apoio, com novas leis e regras, ao investimento privado e da definição de novas formas de investimento público, como é o caso das Parcerias Público Privadas (PPPs). É a agenda microeconômica, cujo objetivo é conferir segurança aos investimentos. Para votar, é preciso uma base governista articulada, a qual depende da composição e do modo de ação do governo, mas muito especialmente do PT. Em governos de coalizão, os cargos são normalmente divididos entre os diversos partidos que a integram. Mas é preciso que haja uma coordenação geral e que cada unidade do governo funcione com um mínimo de harmonia e coerência. Não é o que ocorre. Tome-se o caso do Ministério da Saúde. Os diversos cargos foram distribuídos não apenas entre partidos, mas entre alas do PT. Só que os dirigentes não se entendem e um não toca o serviço que vem de outro partido ou ala. Foi assim que se desentenderam o ministro Humberto Costa e o ex- secretário-executivo, Gastão Wagner, que havia sido indicado pelo próprio Lula. Foi um racha intra-PT. Mas nesse mesmo ministério, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Luiz Lima, é uma indicação do PP – e também não consegue tocar o serviço quando precisa interagir com unidades controladas por outros partidos. Há um conflito não partidário, mas de competências, entre o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e a secretária-executiva, Ana Fonseca. Na Educação, o ministro Tarso Genro se dedica mais a formular teorias políticas, como voltou a fazer na última sexta-feira. Comentou que parte do dinheiro gasto com juros da dívida poderia ser aplicado na educação. É contra a linha de política econômica. Seria uma proposta concreta? Não, apenas um “enunciado político”, esclareceu o ministro. Aparentemente, Lula já percebeu que não é com enunciados políticos que se faz um governo eficiente. Sobretudo com enunciados políticos que não arranjam o dinheiro e ainda trazem contestações às diretrizes básicas da administração. Como se vê, a reforma ministerial não será fácil. Ao mesmo tempo em que deve abrir espaço e poder para outros partidos da base, e, pois, diminuir o do PT, o presidente precisa instalar um mínimo de unidade administrativa, inclusive nos órgãos inteiramente controlados por petistas. Além disso, o governo Lula vive neste momento a síndrome do segundo ano – experiência por que passam todos os partidos que chegam ao poder depois de anos e anos construindo sonhos na oposição. Lessa contou que, quando convidado por Lula, dois anos atrás, o presidente lhe pediu para construir o banco “dos sonhos dos brasileiros”. Hoje, com certeza, Lula se contenta com um banco que simplesmente funcione como funcionava no passado. Muitos dos quadros que estão deixando o governo, velhos amigos de Lula, como o secretário de imprensa, Ricardo Kotscho, e o assessor especial Frei Betto, formam o grupo dos “românticos”, digamos assim, o pessoal dos sonhos sinceros e que está triste por ter percebido como é diferente a dura realidade do governo. Até entendem que é preciso ser pragmático, não vão passar para a oposição, mas são pessoas para as quais, sem o sonho, o governo perde a graça. Para outros, não. Poder é poder, é bom estar no governo. Se o processo seguir, o governo vai mudar bastante. Sai o pessoal da primeira hora, a turma dos fiéis mais próximos, entram os neopragmáticos e operadores. Aconteceu assim no governo Montoro, em São Paulo, 1983, e no governo federal que era para ser de Tancredo, em 1985. Ambos começaram com os sonhos dos militantes formados na oposição ao regime militar, que também tinham enunciados políticos democráticos para tudo, e depois, vista a dificuldade de governar, trouxeram os operadores. Agora é mais complicado por causa da máquina construída pelo PT, boa na oposição, ruim de governo. Por ser mais forte, mais orgânica, é uma máquina mais difícil de administrar. Lula poderia começar pelo próprio Palácio do Planalto. Publicado em O Estado de S.Paulo, 22/11/2004

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