A CRISE DE ENERGIA – O FRACASSO DE FHC

. O MAIOR FRACASSO DE FHC Trata-se do maior fracasso do governo FHC e a confissão veio de um dos seus principais ministros, Pedro Parente, da Casa Civil, ora licenciado para coordenar a Câmara de Gestão da Crise de Energia. Segundo Parente, o governo só tomou conhecimento do tamanho da crise no último dia 8 de maio, numa reunião do Conselho Nacional de Política Energética – no que foi, aliás, uma demonstração da inutilidade desse conselho. E assim a ficha caiu a apenas 22 dias do racionamento, uma medida extrema. Tudo bem que choveu menos, muito menos, mas isso não é desculpa. Já estamos, convém lembrar, no século 21, e sabemos todos que não se pode deixar por conta da natureza. A capacidade humana é justamente a de superar ou corrigir a natureza: destruir os vírus, melhorar os alimentos, driblar o calor e o frio e, claro, guardar água para quando as chuvas nos faltam. Ressalva politicamente correta: sim, é verdade que o homem também estraga a natureza. Talvez a falta de chuva tenha a ver com algo errado que se andou fazendo. Mas é preciso admitir que o gênero humano permanece na Terra porque soube controlar e corrigir a natureza, ao contrário, por exemplo, dos dinossauros. Tudo considerado, teria sido possível contornar a falta de chuva e evitar a falta de energia com ações concretas que têm sido largamente debatidas nos últimos dias. Por exemplo: usinas termoelétricas a gás, linhas de transmissão de energia, pois há sobra nas regiões Sul e Norte, ampliação da capacidade de geração hidrelétrica e por aí vai. E isso dá o tamanho do desastre: as medidas estão aí, são conhecidas há tempos. Simplesmente não se fez. Alguns estão aproveitando para atacar a política econômica neoliberal: tudo culpa do FMI, que mandou o governo privatizar e controlar as contas públicas e por isso faltou dinheiro para investir nas elétricas. É uma estupidez. Basta comparar os dois grandes programas de privatização na área de infraestrutura: telecomunicações e energia. No primeiro caso, discute-se grau de eficiência, cumprimento de metas rigorosas. No segundo, discute-se a escassez. Na divisão do poder, lá no primeiro governo FHC, em 1995, o Ministério das Comunicações ficou com o PSDB, mais exatamente com o trator Sérgio Motta. Não deixa de ser curioso. Os tucanos, social-democratas, não viam com bons olhos a privatização. O próprio Sérgio Motta, ao assumir o ministério, manifestava resistência. A seu estilo, em conversas reservadas, dizia que esse negócio de privatizar tudo era “pura babaquice”. Mas logo se convenceu da inviabilidade financeira e técnica do modelo estatal e partiu para a privatização. Definiu modelo e regras de modo tão consistente que o processo seguiu mesmo depois de sua morte. O setor de telecomunicações tornou-se uma fonte de investimentos e novos negócios. Nos momentos difíceis da crise financeira internacional, foi o único que se manteve em expansão, salvando o país de uma recessão. Hoje, claro, há problemas no setor. Mas se qualidade e ampliação dos serviços. Ninguém briga por telefones. Vamos ao Procon porque queremos conexões mais rápidas. Há investimentos em andamento e sendo programados. O ajuste fiscal e o FMI não atrapalharam em nada. Já o setor de energia sobrou com um partido que leva o liberal no nome, mais exatamente para seu principal líder, o senador ACM. E esse grupo mostrou que o liberal estava mesmo no nome. Na prática, ficou enrolado na fisiologia política – a quantidade de cargos e o poder regional oferecido pelas grandes estatais. A privatização que mais avançou foi na distribuição de energia – setor que estava nas mãos de estatais estaduais. Foi à revelia do Ministério de Minas e Energia. Ocorreu que os governos estaduais, atolados num buraco financeiro inadministrável, foram praticamente obrigados a vender suas empresas para abater dívida. Na verdade, pode-se dizer que o Ministério da Fazenda foi o responsável por essa privatização. Na renegociação das dívidas estaduais, a área econômica estabeleceu regras segundo as quais quanto mais os governos estaduais privatizassem e quanto mais caixa fizessem para dar de entrada, menores seriam as prestações mensais e as taxas de juros. Por isso venderam as elétricas estaduais, mesmo com a área federal atolada na indefinição. Essas privatizações trouxeram dólares e investimentos para o setor. Insuficientes, porém, porque não foram definidas as regras do jogo. Já a geração de energia, onde se localiza a crise, está basicamente sob controle de estatais federais, com uma exceção, em São Paulo, onde o governo detinha grandes geradoras. Pois foi em São Paulo, onde o também tucano Mario Covas tinha as mesmas dúvidas que Sérgio Motta, que a privatização dessas geradoras mais andou. Na área federal, sob controle do PFL de ACM, reinou a indefinição. O último exemplo é flagrante: anuncia-se que o racionamento de energia começa em 1o. de junho, mas não se informam as regras. A 20 dias dos cortes no fornecimento, famílias e empresas não sabem como se programar. É por isso que se instala hoje a Câmara de Gestão da Crise de Energia, uma óbvia intervenção de FHC no setor. Intervenção tardia, porém, circunstância que dá ao presidente sua parcela de culpa direta. Tome-se, por exemplo, o que aconteceu com Furnas, a maior geradora nacional, federal. Está no programa de privatização há seis anos, mas só oficialmente. Na prática, todo mundo sabe que o governo já desistiu dela, por razões eleitorais, resistência de tucanos e da corporação do setor e porque os políticos do Norte e Nordeste não querem perder o controle das empresas. Outro exemplo: em 1999, quando ficou claro que a geração hidroelétrica estava comprometida, o Ministério de Minas e Energia lançou um programa de construção de 49 usinas térmicas, a gás. Mas nem 15 projetos estão em andamento. Problema: o preço do gás, que, em parte, vem da Bolívia, é medido em dólares, mas qual dólar? Como se coloca o custo do gás em dólares nas tarifas? Tudo bem que não se trata de uma conta fácil. Mas três anos nessa conversa? Eis aí: indefinição quanto ao modelo e ao processo de privatização, indefinição quanto às tarifas, indefinição quanto ao racionamento. Se a gente precisasse apenas de um desastre, esse não serviria. É um monumental desastre. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 15/05/2001)

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