A CRISE DE ENERGIA

.   É O PREÇO, PESSOAL   Quanto você estaria disposto a pagar por um KWH? Depende, não é mesmo? Depende, inicialmente, de quanto dinheiro você tem, qual seu modo de vida e para que vai utilizar a energia. Se você é apreciador de vinhos e tem recursos para esse capricho, não achará caro pagar 40 centavos o KWH – o dobro do preço médio atual – para manter em funcionamento a geladeira que conserva as garrafas na temperatura certa. Claro, as famílias brasileiras que têm essa opção formam uma minoria muito estreita. Mas, no geral, todas podem fazer alguma escolha nos seus gastos de energia, desde passar um pouco mais de frio ou de calor, usar roupas meio amassadas ou abdicar das novelas. Talvez 80 centavos o KWH seja caro demais para manter o Bordeaux a 15 graus ou para ver a Vera Fisher. Em qualquer caso, é claro que o preço da energia é um componente decisivo da escolha. Vale também para a indústria. Tome-se esta situação: encontra-se uma boa mina de bauxita – o minério que dá o alumínio, cuja importância é óbvia. Para transformar bauxita em alumínio gasta-se muita energia, de modo que é preciso ter uma baita usina ali por perto. Pois bem, quanto um eventual fabricante de alumínio estaria disposto a pagar pelo KWH? O preço do alumínio flutua no mercado internacional, de modo que as companhias só se atrevem a construir as plantas tendo garantia de fornecimento de energia a um determinado custo. Isso não acontece apenas no Brasil. Como as montadoras de automóveis, também os produtores de alumínio fazem leilões pelo mundo afora: quem lhes oferece os melhores subsídios? Para os governos, resta a questão: vale a pena construir ou financiar a usina hidrelétrica e fornecer a energia a preço subsidiado para garantir a produção e a exportação de alumínio? Sim, foi a resposta dada várias vezes aqui no Brasil. E não apenas para o alumínio. No geral, a indústria paga menos pela energia, cerca de 10 centavos pelo KWH, a metade do que se paga no consumo residencial. A idéia é aquela de sempre: as fábricas trazem emprego e riqueza, de modo que o subsídio dá retorno. Mas também distorções e privilégios. A indústria que gasta mais energia tem um subsídio maior do que aquela que consome pouco. E quando há escassez de energia, esta acaba valendo mais do que o produto fabricado com ela. Está acontecendo neste momento. Na Califórnia, por exemplo, que também passa por uma crise aguda, uma fábrica de alumínio da Alcoa tinha um contrato de longo prazo de fornecimento de energia a preço fixo. No mercado atacadista, o preço da energia é livre e, obviamente, disparou dada a recente escassez. Feitas as contas, tornou-se mais negócio para a Alcoa deixar de produzir alumínio, que está barato, e revender a energia que economizava. Aqui, diversas plantas – siderúrgicas, de alumínio e outros metais – têm geração própria de energia. Mas também podem comprá-la das distribuidoras a preço tabelado. E também podem vendê-la no Mercado Atacadista de Energia, cobrando mais caro do que pagam às distribuidoras. Assim como podem interromper sua produção e vender apenas energia, hoje valendo mais que aço, papel ou alumínio. Eis o embrulho em que estamos metidos. Há pessoas e indústrias pagando muito barato por um bem que se tornou escasso. Mas para outras pessoas e indústrias, a energia continua sendo um insumo caro. Pode-se complicar um pouco mais o caso: tem gente pagando 20 centavos o KWH para servir o Bordeaux a 15 graus, mesmo preço pago por famílias para manter na geladeira o leite recebido na cesta básica. Há indústrias pagando menos de dez centavos para fazer um alumínio barato e fazendas pagando mais para produzir comida. Não foi simples chegar a isso. Não será fácil sair. A alternativa oferece direções opostas. Ou aumentar a intervenção do governo ou transferir decisões para os chamados agentes econômicos, produtores e consumidores. O apagão, por exemplo, é um caso extremo de intervenção do governo. Para muita gente, trata-se da medida mais justa porque atinge a todos igualmente. Ricos e pobres ficam sem energia pelo mesmo período. Ficam mesmo? É claro que não. Em um condomínio de ricos, ninguém vai precisar subir escadas. É até possível que os geradores a diesel garantam as diversas geladeiras. A alternativa a isso é o chamado sinal econômico dado pelo preço. Fixadas as tarifas de modo que mais consumo represente um preço proporcionalmente maior, o consumidor toma a decisão de economizar mais ou menos. Claro que isso não restabelece a igualdade. Os ricos continuam consumindo e gastando mais. Mas coloca todos na situação de escolher conforme suas condições e suas necessidades. O plano do governo fica no meio-a-meio, como costuma acontecer. Tem um sinal de preço. A partir de um determinado nível de consumo, a tarifa sobe, de modo que todos estarão decidindo se vale a pena gelar o vinho ou tomar um banho mais quente em troca de um KWH mais caro. Mas há também uma imposição. O consumidor não pode escolher entre economizar ou não economizar. Se gastar além da cota, não será penalizado apenas com preço maior, mas ficará alguns dias sem energia. Será um apagão personalizado. Talvez a emergência dos reservatórios quase sem água justifique a imposição. Mas o que funciona em situações normais é o sinal de preço. Tome-se o caso de uma empresa que hoje ganha mais vendendo a energia do que o aço que produziria com ela. Pode-se imaginar que o correto seria obrigar a empresa a produzir aço, sua função, digamos, social. Bobagem. A energia hoje vale mais que o aço – e isso para a sociedade, para os consumidores. É um momento de trocar carros por mais luz nas residências. Quando a oferta de energia crescer, a relação se inverte – e talvez aquela empresa encontre dificuldades em voltar ao mercado de aço, mas isso é do jogo. O mercado faz, o mercado desfaz. O que provoca distorções é o governo obrigar alguém a produzir aço quando o mercado quer energia. E se não me engano, chegamos a este ponto por causa de decisões desse tipo. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 21/05/2001)

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