CRISE POLITICA E EFEITOS NA ECONOMIA

. A crise política atrapalha O otimismo do começo do ano rrefeceu, ms há espaço para crescimento O fundo do poço, para o mercado financeiro, significa que é hora de comprar. Mas onde está o fundo do poço? No pregão do dia 20, sexta-feira, quando se completava uma semana da “crise Waldomiro Diniz”, o índice da Bolsa de Valores de São Paulo se aproximou dos 20 mil pontos – uma queda de 4,1% só naquele pregão e de 15% contados os cinco dias anteriores. Era demais. Os investidores, a começar pelos estrangeiros, voltaram a comprar. Considerando que a economia real não pode ter mudado tanto em tão pouco tempo, ficam três perguntas: primeira, por que os preços dos ativos financeiros desabaram tão rapidamente? Segunda, o que explica o também rápido movimento de recuperação? Terceira, e mais importante, quais as tendências? A resposta para a primeira questão está na cara. A culpa é da crise política que abalou o governo Lula desde que se soube das relações de um dos principais assessores do ministro José Dirceu, Waldomiro Diniz, com empresários de jogos e/ou bicheiros, todos envolvidos em corrupção e duvidosa arrecadação de dinheiro para campanhas eleitorais. A crise não é trivial, tanto que deixou o PT e o governo Lula na lona por vários dias. Mas a verdadeira questão é saber como uma crise política se transmite para o mercado financeiro e deste para a economia real. Crise política causada por corrupção não é exclusividade brasileira. Neste momento, por exemplo, o governo do Canadá está tentando explicar o desvio de fundos públicos para agências de publicidade ligadas ao partido governista. Mas não se tem notícia de tumulto no mercado financeiro. O dólar canadense não se abalou, a bolsa segue os movimentos da economia. Há por lá um debate sobre reformas econômicas, especialmente sobre o caro sistema de previdência e assistência médica, mas ninguém espera mudanças drásticas. No essencial, as estruturas econômicas estão dadas. Não há ninguém, por exemplo, propondo a ruptura do acordo de livre comércio com os Estados Unidos ou o abandono do sistema de câmbio. Já no Brasil, basta dar uma olhada na agenda do Congresso Nacional para se verificar que há muito por fazer em pontos essenciais. Está em votação, por exemplo, o novo modelo do setor elétrico, um conjunto de regras que simplesmente vai favorecer ou atrapalhar investimentos em um setor crucial. Também tramita o projeto que cria o sistema de Parcerias Público-Privadas, cujo objetivo é criar condições para a retomada de investimentos em infraestrutura (estradas, portos, saneamento). Está no Senado o projeto de uma nova lei de falências, iniciativa à qual o Ministério da Fazenda atribui enorme importância. É parte da chamada agenda microeconômica, uma série de medidas legais destinadas a facilitar a concessão de crédito e a realização de negócios no país. É preciso aprovar esses projetos e depois implementá-los – e isso exige um governo com capacidade de ação e liderança. Ora, uma crise que atinge o “capitão do time” governista, como o presidente Lula acabara de definir as funções do ministro José Dirceu, aponta na direção do enfraquecimento do governo. Se isso se confirma, lá se vai uma agenda considerada positiva no mercado financeiro e nos meios econômicos em geral. Como se dizia nas mesas de operação, o fundo do poço “precificava” prejuízos para a política econômica, em consequência do enfraquecimento do principal operador do governo ou, pior, da demissão de Dirceu. É verdade que, neste ponto, o mercado encontrava-se dividido. Ocorre que, na percepção de agentes econômicos, tem havido embates entre Dirceu e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, com o primeiro tentando quebrar a ortodoxia do segundo. Recentemente, por exemplo, Dirceu lutou contra os cortes no orçamento, afinal impostos conforme exigia Palocci, em nome da austeridade fiscal. Nesse caso, conspirava-se nas mesas de operação, a queda de Dirceu poderia até ser uma boa notícia. Os mais delirantes chegavam a especular: que tal Palocci no lugar de Dirceu e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, promovido a ministro da Fazenda? Prevaleceu, contudo, o medo de que a queda de Dirceu pudesse comprometer todo o governo, incluindo a política econômica. Por isso, venderam-se ações, reais e títulos da dívida externa brasileira. O dólar, aliás, chegou a ser negociado, no dia 20, acima dos R$ 3,00, o que não acontecia há seis meses. O risco Brasil, que havia caído para a faixa dos 300 pontos, voltou a superar os 600, isso indicando que os títulos da dívida externa brasileira passaram a pagar juros de 6 pontos percentuais acima dos papéis equivalentes do Tesouro dos EUA. Acima de 600 pontos, o risco Brasil fica 35% acima da média dos demais emergentes. E se os juros sobem lá fora, sobem aqui também. É por aí que o mercado financeiro contamina economia real. O dólar muito alto gera inflação. Os juros elevados travam investimentos produtivos e encarecem a dívida das empresas e do governo. A queda da bolsa é perda de riqueza, tudo levando à paralisia da atividade econômica, como se viu, aliás, em escala ampliada, a partir do segundo semestre de 2002, quando se instalou nos mercados o medo de um governo Lula populista e irresponsável. Não deixa de ser curioso que a crise do momento se dê pelo medo exatamente oposto: o de que o governo Lula perca sua capacidade de ação. É que este governo Lula não é aquele que se temia, bem ao contrário. As coisas pararam de piorar na véspera do carnaval porque os investidores entenderam que a Bovespa a 20 mil pontos estava muito barata mesmo para um período de crie política. De fato, naquela sexta-feira, 20, grandes bancos de investimento – como o JP Morgan e o Dresdner Kleinwort Wasserstein (DKW) – emitiram comunicados a seus clientes dizendo que os ativos brasileiros estavam no ponto de compra. E pelo menos um grande fundo de investimentos, o Pacific Management Company (Pimco), comunicou que estava aproveitando a baixa para comprar papéis brasileiros. O raciocínio por trás dessa atitude – ou, se quiserem, aposta – sustenta que o barulho político vai passar e os (bons) fundamentos econômicos voltarão a prevalecer. Essa percepção já estava em curso quando o presidente Lula, depois de alguns dias ignorando a crise nas suas aparições públicas, anunciou a Medida Provisória que proíbe os bingos e caça-níqueis, defendeu sua turma e prometeu apurações, mostrando, enfim, que estava em ação. Isso acelerou a recuperação dos mercados. O risco Brasil voltou para baixo dos 600 pontos, tendo registrado o primeiro dia de queda desde o início da crise política. Subiram os preços dos títulos da dívida externa, com a consequente queda dos juros. A Bovespa encerrou a 21.337 pontos, já longe do fundo do poço, mas também distante do ponto pré-crise. Ou seja, os ativos ainda estão no prejuízo. Ou ainda no ponto de compra, para os analistas que acreditam na redução do barulho político. A tendência, portanto, continua dependendo da crise política e da sua percepção. Mas depende também da retomada da confiança nos rumos da economia. Há um evidente mau humor na economia real – ali onde se encontram indústria, comércio e consumidores – desde que o Banco Central interrompeu o processo de queda de juros, em janeiro. A manutenção da taxa básica em 16,5% ao ano, na reunião de fevereiro, realizada bem na semana da crise política, obviamente não poderia ter sido bem recebida. O setor produtivo, aqui e em qualquer lugar, não gosta de juros elevados. Mas a bronca que vem desde janeiro é mais do que usual. Houve uma forte reversão de expectativa. De um modo geral, todos, inclusive o governo, entraram o ano convencidos de que a retomada do crescimento estava garantida e seria fácil. O BC reduziria os juros e o Ministério da Fazenda aplicaria sua agenda positiva, “pró-negócios”, e estava tudo resolvido. Até o governo, a começar pelo presidente Lula, estava convencido de que o setor público teria mais dinheiro para investir. Quando estava todo mundo na maior animação, seguiram-se os contra-tempos. O BC suspendeu a queda dos juros, fazendo um alerta grave sobre a ameaça de inflação. Isso fez com que o comércio suspendesse encomendas à indústria, temendo não conseguir repassar aos consumidores os aumentos de preços solicitados pelos produtores. O governo cortou o orçamento, depois de uma forte e barulhenta batalha interna. A reforma ministerial não saiu lá essas coisas. Projetos importantes sofreram percalços e atrasos nas votações no Congresso. Para culminar, em um determinado momento, os juros subiram nos Estados Unidos, uma péssima notícia para os países emergentes, Brasil aí incluído. Explica-se: há uma forte liquidez no mercado financeiro internacional, dinheiro sobrando à procura de rendimento melhor que as baixíssimas taxas pagas pelos papéis do Tesouro americano, pouco mais de 4% ao ano. Uma interpretação precipitada de um comunicado do Federal Reserve, Fed, o banco central americano, sugeriu que a instituição começaria em breve a elevar a taxa básica de juros, hoje em 1% ao ano. Isso gerou um processo de venda de papéis emergentes e compra de títulos americanos, com alta geral dos juros e a desconfiança de que os investimentos e financiamentos externos diminuiriam. Em resumo, havia razões para o baixo astral que tomou conta dos meios econômicos. A crise política caiu em cima disso, daí o efeito amplificado. É o ponto em que estamos: a recuperação do bom humor depende de uma combinação de fatores políticos, econômicos e psicológicos. No curto prazo, a crise política continua mandando. Se haverá ou não CPI e a situação do ministro José Dirceu serão os fatos acompanhados mais de perto. Mas do ponto de vista econômico, a questão de fundo é saber se o governo preserva sua capacidade de operação. Isso porque todos já parecem convencidos de que não há risco de alteração na política econômica comandada por Palocci. O problema, portanto, é a interferência da crise política na eficiência do governo. No médio prazo, a volta de um espírito positivo no ambiente econômico depende da confirmação dos tais bons fundamentos e, claro, da retomada da queda dos juros. Os fundamentos estão aí. Em meio à crise, saíram bons indicadores. As contas externas seguem no superávit, o comércio externo mantém seu dinamismo, o governo continua dando demonstração de que controla suas contas e fará a economia necessária para pagar parte da enorme conta de juros. A propósito, na negociação com o funcionalismo, o governo Lula está propondo reajuste salarial máximo de 2,6%. Austeridade fiscal para ninguém botar defeito. O Fundo Monetário Internacional esteve por aqui, declarou-se satisfeito com tudo e informou que vai liberar mais US$ 1,3 bilhão de dólares. O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, informa que o governo brasileiro agradece, mas vai deixar o dinheiro lá porque não está precisando. De fato, o Tesouro já tem em caixa os dólares necessários para o pagamento dos compromissos da dívida externa deste primeiro semestre. No cenário internacional, o presidente do Fed, Alan Greenspan, fez alguns pronunciamentos que dissiparam o medo de alta iminente de juros. Ou seja, por um bom par de meses, haverá dinheiro externo para o Brasil. Dinheiro, aliás, que continuou entrando em meio à crise. Resta a inflação, da qual depende a taxa de juros. Os indicadores de fevereiro não foram conclusivos. Alguns mostraram desaceleração da inflação, outros o contrário. Mas considerando metodologias e períodos de coleta dos preços, há um razoável consenso entre os especialistas de que o surto inflacionário verificado desde dezembro é passageiro e se extingue em março ou, na pior hipótese, em abril. Ou seja, o BC pode voltar a reduzir juros em breve. Acrescente-se nesse cenário a possível contenção da crise política e se entende porque muitos investidores acreditam que o momento atual é um ponto de compra. Mas os empresários do comércio e da indústria continuam de mau humor. Não se conformam com o banho de água fria que, acreditam, é de responsabilidade de uma política exageradamente cautelosa do BC. E empresários desanimados não investem. Mas se a bronca é com o BC, então a retomada da redução taxa básica de juros será um forte estímulo positivo. Tudo bem em março ou abril, portanto? Pode ser, mas o que fica de toda essa história é que a retomada do crescimento não é esse passeio que parecia no começo do ano. O governo Lula passa por um duro aprendizado. Aprende que não basta colocar lá quadros bem intencionados, com enorme vontade política. Também aprende que o dinheiro do governo é curto não por causa da “herança maldita”, mas porque o setor público já gasta demais e gasta mais em custeio do que em investimentos. Também já sabe, ou deveria saber, que juros não caem por boa vontade. E a crise política mostrou que corrupção e incompetência acontecem em todos os governos. No setor privado, vai-se formando a idéia de que a culpa de tudo não é apenas do BC. Que o BC pode ter sido excessivamente cauteloso, é verdade. Mas é igualmente certo que o crescimento não depende apenas da redução dos juros básicos, mas de uma complexa agenda que facilite a vida de quem faz e de quem quer fazer negócios no país. Faltam marcos regulatórios, falta uma reforma trabalhista. Razão pela qual, aliás, crises políticas abalam tanto a economia. Não é fácil levar um país como um Brasil. Mas se aprende. Publicado na revista Exame, ediçao 812, data de capa 03/03/2004

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