. Na contra-mão
Mesmo com algumas crises financeiras e bolhas, a economia mundial exibe crescimento vigoroso desde os anos 90, e simplesmente espetacular de 2003 para cá. Diversos fatores se combinaram para isso – estabilidade monetária (inflação dominada, juros baixos), abertura ao comércio externo e à circulação de capitais, tecnologia de informação e das telecomunicações permitindo ganhos de produtividade. Mas há um outro fator histórico, decisivo: a incorporação de dezenas de países ex-socialistas e seus bilhões de habitantes ao capitalismo global.
A enorme capacidade de criar riqueza do capitalismo encontrou locais propícios para se multiplicar. Novos pólos de investimentos se ofereceram ao capitais do mundo todo. Populações desses países ? muitas com alto nível educacional, como as do Leste Europeu ? entraram com tudo no modo de produção capitalista, com uma forte vontade de prosperar. Em diversos países, formou-se uma combinação de mão de obra educada, mais barata do que nos centros mundiais e trabalhando em plantas modernas, de alta produtividade.
Mais ainda: muitos países trouxeram novos recursos naturais, como o petróleo e o gás da Rússia e vizinhos, que alimentam a Europa Ocidental. E, sobretudo, bilhões de novos consumidores foram incorporados aos mercados mundiais. Com o crescimento acelerado desses novos capitalistas e o contínuo ganho de renda, os mercados se multiplicaram.
A brasileira Arezzo vai abrir lojas na China para vender sapatos femininos a partir de 150 dólares o par. Para quem? Para as novíssimas classes A e B que surgem naquele país. Quantos consumidores haverá nesse grupo? Não se sabe, mas se chegarem a 10% da população, serão 130 milhões. Há 20 anos, o consumo de carne na China era de 20 kg/ano per capita. Hoje, de 50 quilos, para enorme satisfação dos produtores e exportadores brasileiros. A China, ao mesmo tempo que compete nos mercados globais, oferece infinitas oportunidades em seus mercados locais.
Na verdade, como notou Alan Greenspan em seu livro ?A Era da Turbulência?, temos o privilégio de acompanhar um evento único: estamos verificando a olho nu, em tempo curto, como se forma esse modo de produção capitalista, processo que, na outra parte do mundo, levou séculos para se consolidar.
Na China, desenvolve-se um processo de institucionalização do sistema. O congresso do Partido Comunista e a Assembléia do Povo aprovaram mudanças na Constituição para introduzir o direito à propriedade privada. Empresários já podem entrar no Partido.
Na Índia de hoje, o Partido Comunista lidera uma coalizão que governa, por muitos anos, o estado de Bengala Ocidental. Depois de várias gestões que afastaram investidores, nacionais e estrangeiros, o governo deu uma guinada e agora trata de atrair os empreendimentos capitalistas. A região conseguiu um salto de crescimento. E o comunismo? ?Bem, o mundo está mudando, os comunistas estão mudando, mesmo na China. Aprendemos com nossos erros? ? diz Buddhadeb Bhattacharjee, governador e chefe do PC local.
Há um único lugar do mundo que está tentando fazer o caminho contrário, na direção do socialismo.
Adivinharam, claro, a América Latina. Só nesta parte do mundo as idéias socialistas são levadas a sério, na teoria e na prática. Propostas de mudanças constitucionais na Venezuela, Bolívia e Equador limitam o direito à propriedade privada e introduzem formas de propriedade social e/ou socialista.
A América Latina também está em crescimento, nisso acompanhando a onda mundial. Mas o ritmo é bem menor. Enquanto a média dos emergentes registra crescimento anual de 7,5% desde 2003, a América Latina fica nos 5%. E considerando apenas a Ásia emergente, a expansão média vai a 9% ao ano.
Em vez de procurar entender ? e copiar – o que se passa nos outros paises, o pessoal deste lado do mundo continua a colocar a culpa no imperialismo. Pior, acha que tudo se resolve com uma constituição que coloque restrições ao investimento privado. Bastaria olhar a história recente do Brasil para se verificar que isso não funciona. Estamos ainda reformando a Constituição de 88. justamente para permitir mais capitalismo.
Publicado em O Globo, 13 de dezembro de 2007