. Falta-nos o Plano Real da segurança
É preciso chamar a polícia e baixar a repressão, especialmente em São Paulo, neste momento, mas em todo o país, nos próximos anos, para combater o crime organizado, aí incluída a corrupção. E quem chama a polícia?
Há algumas semanas, quando os militantes do MSLT invadiram e depredaram a Câmara dos Deputados, o presidente da casa, Aldo Rebelo, foi responsabilizado por não ter permitido a entrada da PM. Ele se defendeu, dizendo, então, que não quis a polícia dentro da casa para não ferir a autonomia da instituição.
Revelou, assim, o seu viés de esquerda à antiga. A polícia só fere a autonomia da Câmara quando vai lá para fechar a casa e prender parlamentares. Não quando entra para reprimir invasores. Nesse caso, está defendendo as instituições democráticas. Parece claro, não é mesmo? Mas por que o presidente da Câmara pensou diferente, no que, aliás, foi um equívoco enorme?
Para a esquerda, chamar a polícia e baixar a repressão sempre foi coisa da direita ou, pior, da ditadura. Ficou feio. (Lembram-se do ?chame o ladrão??) Mas a questão é saber para que se chama a polícia. Para impor a lei e a ordem, é a resposta clássica da direita.
Só que o regime militar usava a força para impor a ordem da ditadura, ou seja, a violação da democracia e dos direitos humanos.
Se agora temos democracia e direitos definidos na Constituição, chamar a polícia para impor a lei e a ordem é atitude de natureza bem diversa.
Mas a esquerda continua vendo a história com desconfiança e desconforto. Ao contrário, a direita que temos está clamando por mais polícia. Para ela, isso significa liberar os policiais das obrigações com a lei e com os direitos humanos e dar-lhes carta branca para atacar os suspeitos habituais, que são os pobres moradores de favelas.
Essa tipo de violência policial apanha inocentes, gera mais violência, cria um ambiente de hostilidade e medo entre populações indefesas e, pior, nem chega perto do crime organizado. Pior ainda, faz a polícia parecer inimiga dos pobres, abrindo espaço para que o pessoal do crime faça o papel de liderança protetora e amigável.
Estão vendo? ? repete, então, o pessoal da esquerda, pronto a tirar a polícia da ruas.
Eis o equívoco em que nos metemos. A esquerda ? que tem governado o país ? não gosta de chamar a polícia. A direita quer uma polícia que entre mandando bala. É por isso que não se define nem se aplica um programa consistente de segurança pública. Falta-nos algo como o Plano Real da Segurança.
Em 1994, havia ambiente no país para um plano de combate à inflação. A população até parecia acostumada com a situação, aprendia a conviver com a alta diária de preços. Mas pesquisas mais cuidadosas mostravam como a carestia incomodava as famílias, especialmente as mais pobres, aquelas que recebiam salários em dinheiro vivo e eram obrigadas a correr para o supermercado e gastar tudo antes que perdesse valor. E nesses dias, entre 5 e 10 de cada mês, os preços estavam mais caros. Todo mundo percebia isso.
Tanto que o povo aplaudia ao menor sinal de estabilidade, como foi nos primeiros momentos do Plano Cruzado (de 1986), a primeira tentativa de matar o dragão.
Hoje, todas as pesquisas de opinião confirmam que segurança pública está no topo das preocupações nacionais. As pesquisas também mostram que a população dá aos governos ? a todos ? as piores notas nesse quesito de combate à criminalidade.
Claramente, há uma demanda por segurança pública, especialmente entre os mais pobres, vítimas maiores da falta de lei e ordem.
É isso mesmo, há uma demanda por lei e ordem. E tão forte que a população tende a se mostrar tolerante com os excessos da polícia. Não por acaso, é majoritária a opinião favorável à pena de morte e, por exemplo, à redução da idade penal.
Isso leva muitos políticos (e parte da mídia, a marrom, sensacionalista) a clamar por uma PM com as mãos livres para atirar.
Mas se a população está certa ao pedir mais segurança, não se segue daí que também estão corretas as idéias que surgem primeiro.
Voltando à comparação com o combate à inflação: se , ainda hoje, fizermos uma pesquisa para perguntar o que as pessoas acham do congelamento de preços, vai dar enorme maioria a favor. Em 1986, a população adorou o congelamento e assumiu patrioticamente o papel de fiscal de preços. E os economistas do Plano Cruzado sabiam que o congelamento estava levando tudo ao desastre, como afinal aconteceu.
Hoje, é preciso aproveitar a demanda pelo combate ao crime, mas sem cair na tentação de apelar para a violência policial, assim como os executores do Plano Real rejeitaram o congelamento.
O Plano Real da Segurança vai precisar chamar a polícia e baixar a repressão, mas a polícia inteligente e capaz, que investiga, elucida os crimes e prende os responsáveis. Especialmente no combate ao crime organizado, quer seja esse terrorismo do PCC, quer a profunda corrupção, é necessária uma polícia capaz de se antecipar, competente para tarefas tão diversas quanto se infiltrar em quadrilhas ou rastrear o dinheiro ilegal. Um serviço policial capaz de vigiar fronteiras e alcançar as contas bancárias de autoridades corruptas.
E também, é claro, um sistema judiciário e penitenciário que prenda e isole os chefões do crime.
Para romper o impasse e o falso dilema entre direitos humanos e polícia, será necessária uma liderança forte e capaz, como a de FHC em 1994, que soube reunir as cabeças e criar as condições políticas para implantar o Real, a moeda estável. Hoje, uma superpolícia para garantir a lei e a ordem … democráticas. Publicado em O Estado de S.Paulo, 17 de julho de 2006