. SEM INTERNET, SEM GLOBALIZAÇÃO? Considere a Internet, símbolo e instrumento da globalização. São necessários um computador razoável e uma linha telefônica. Aqui no Brasil, isso não sai por menos de R$ 2 mil e ainda assim se a coisa for instalada em um bairro com fartura de linhas telefônicas, já baratas, portanto. Começa por aí a desigualdade. Em geral, são as regiões mais ricas que têm sobra de telefone – e isso tem a ver com o mercado. Na rua de um bairro de classe média, a companhia passa um fio e vende mil telefones, mais de um por apartamento, sendo que o pessoal fala mais tempo, faz interurbanos e até ligações internacionais. Contas gordas. Portanto, os moradores dos bairros mais pobres estão em óbvia desvantagem no acesso à Internet. O preço do computador excede seu orçamento, a linha telefônica, havendo, será mais cara. Para encurtar a história, 80% dos internautas brasileiros estão na classes A e B, mais na A . Daí sucedem-se mais desigualdades. O filho de uma família de classe média vai se preparar melhor para o trabalho moderno, pois opera computador e Internet antes de aprender a ler. O profissional com Internet será mais produtivo. A pequena empresa com Internet ganha da sem, pois compra mais barato e tem mais acesso aos clientes. Escalando alguns degraus, os Estados Unidos têm economia mais eficiente que todas os demais, entre outras coisas, por causa da Internet. São 41 computadores por cada grupo de 100 habitantes. Mais da metade da população americana acessa a Internet cerca de 50 horas por mês. E só em Nova York há mais telefones do que em quase toda a África. No Brasil, são quatro computadores por 100 habitantes. Os internautas devem ser pouco mais de 6% da população, uns 10 milhões, dos quais 73% têm curso superior. Resumindo: os países e as pessoas mais ricas têm mais acesso à Internet, o que multiplica sua vantagem competitiva no mundo da Tecnologia da Informação e permite que se tornem ainda mais ricos e ricas. Tiram-se daí conclusões políticas. Pode-se concluir, por exemplo, que a era da Tecnologia da Informação, causa e efeito da globalização, cria uma nova categoria de excluídos, os sem-Internet. Portanto, aprofunda a desigualdade entre ricos e pobres. Que fazer? O primeiro ponto a observar é que não há solução nacional. Se um determinado país decidir abolir ou limitar o uso da Internet, poderá diminuir a desigualdade internamente, mas se condenará a um atraso mundial. Mas imaginemos por um instante que fosse possível aprovar uma lei mundial banindo a Internet sob o argumento de que ela só serve para aumentar a distância entre ricos e pobres. O que aconteceria? A desigualdade certamente diminuiria, os ricos não teriam mais acesso privilegiado a um poderoso instrumento de conhecimento e operação. Ou seja, a vida dos ricos estaria pior. Mas a vida dos pobres não teria sofrido qualquer melhora. Todos seriam igualmente sem-Internet. Paciência, pode-se dizer, nem tudo que é progresso é bom. Mas um mundo sem Internet certamente seria menos eficiente e, portanto, produziria menos. Haveria menos riqueza a distribuir e – assim todos perderiam. Os ricos perderiam mais, é claro. Mas os pobres também perderiam pois o progresso, quer seja a luz elétrica, quer seja a Internet, espalha seus resultados mesmo para quem não o desfruta diretamente. As pessoas que trabalhavam nas fábricas de lâmpadas, no início dessa revolução, também eram sem-luz elétrica. Hoje, não é necessário ter um computador para arranjar emprego na entrega de CDs vendidos via Internet. Ou na fábrica de CDs ou em qualquer atividade cujos negócios estejam se ampliando por causa da Internet. Basta acompanhar a frenética atividade econômica gerada pela combinação computadores-telecomunicações-Internet e a conclusão é obrigatória: trata-se de uma fonte de crescimento que espalha renda e benefícios para todos, ainda que os ricos levem a maior parte. Mas permanece a desigualdade entre os com e os sem-Internet. Não haveria nada a fazer a não ser lamentar a má sorte dos pobres? Aqui entram as políticas públicas. O que os governos podem fazer é facilitar o acesso dos mais pobres à Rede, por exemplo, espalhando computadores pelas escolas públicas, torrando dinheiro em educação tecnológica. Mais ainda, aplicando políticas que aumentem a oferta de telefones e computadores, de modo a baratear esses produtos. A privatização, que multiplicou o investimento em telecomunicações, é um exemplo. Já a tentativa de fechar a importação de computadores, de modo a privilegiar a produção local, é um tiro no pé. Ou, mais exatamente, é uma política não-distribuitiva, pois começa por aumentar o preço das máquinas. A idéia básica, portanto, é que não adianta tirar dos ricos. O necessário é tentar levar a coisa, a Internet, aos pobres. Parece óbvio – e de fato é óbvio. Mas tire Internet e coloque globalização. Não estão dizendo isso, que a globalização só gera desigualdade e excluídos? Que é coisa dos ricos? É a mesmíssima história, entretanto. Globalização é a livre circulação de mercadorias e capitais. Toda vez que isso aconteceu – mais comércio externo, mais investimentos de um país para outro – o mundo cresceu espetacularmente. Os ricos cresceram mais depressa, é verdade, mas não porque os pobres cresceram menos, e sim porque não tiveram acesso nem ao comércio nem aos capitais internacionais. Barrar a globalização, fechar os países, certamente atrapalha os mais ricos, mas não dá um dólar a mais na renda dos pobres. A saída óbvia é globalizar os que estão fora. Como acessar a Internet. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 29/01/2001/ caderno de Economia página 2)
SOBRE GLOBALIZAÇÃO
- Post published:9 de abril de 2007
- Post category:Coluna publicada em O Globo
- Post comments:0 Comentários