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Sem noção

Sem noção

         Carlos Alberto Sardenberg

         O mercado não fica “nervosinho”. Estressado? Sim, mas o pessoal se vira. As declarações de Lula e Mantega derrubam a bolsa e jogam o dólar para cima? Ok, o negócio é comprar juros. Em apenas uma semana, os juros cobrados nos títulos do governo brasileiro com vencimento em janeiro de 2024 subiram de 11% para mais de 13% ao ano. Rendimento bom, não é mesmo?

         Significado: os investidores cobram mais caro para financiar a dívida pública brasileira, na expectativa de que o governo Lula vai começar gastando sem qualquer regra de controle das contas públicas.

         Significado 2: aumenta a despesa do governo com o pagamento de juros, reduzindo o espaço para outros gastos, sociais especialmente.

         Significado 3: juros aqui permanecerão altos por mais tempo, com a inflação demorando para cair. Isso prejudica a população. Investidores financeiros se viram.

         O pessoal do mercado e da economia real – investidores e consumidores – age com lógica: um governo que gasta mais, muito mais do que arrecada – não importando onde gasta – acumula dívida que tem de ser financiada de algum modo. Com impostos (aumentar agora?), com corte de despesas (não passa pela cabeça de Lula e seu verdadeiro time econômico), ou com dívida nova para rolar dívida antiga (tipo cheque especial ou rotativo do cartão de crédito). Parece ser esta a opção.

         Lula e Mantega – este parece ter assumido o papel de principal porta-voz do novo governo – repetem que governarão com responsabilidade. Em seguida, passam a esculhambar o teto de gastos e essa “tal de estabilidade fiscal”. Lembram, corretamente, que o primeiro governo Lula fez superávits expressivos – para logo em seguida dizer que o Lula 3 não pode ter as mãos atadas, ou seja, não pode ter controle de gastos.

         É coisa de louco, sem noção.

         Ou pensam que estão enganando quem? Pedem que se lembre do Lula responsável de 2003, o Lula 1, para em seguida dar todos os sinais de que estão preparando um Dilma 2.5.

         Acham que o pessoal já se esqueceu da proeza às avessas da nova matriz de Dilma, que conseguiu gerar recessão severa e inflação altíssima ao mesmo tempo?

         Ali está a origem do atraso e do empobrecimento pelo qual passou a população brasileira. (E da ascensão da direita). É de espantar que usem a necessidade de combater a pobreza com a volta da política que gerou desemprego e perda de renda.

         De novo, Lula está perdendo uma grande oportunidade de ampliar seu leque de atuação. Formou-se um consenso que, dado o desastre deixado por Bolsonaro, é razoável uma licença para gastar em 2023. Partir disso para tentar aprovar no Congresso uma licença permanente para fazer déficits e dívidas – isso é simplesmente jogar fora a oportunidade de ir além do estreito PT.

         A carta de Mantega à secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, contestando a candidatura do brasileiro Ilan Goldfajn à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento, indica muitas coisas. Primeiro, Mantega diz falar em nome de Lula e obviamente não faria isso sem o aval do presidente eleito. Logo, Mantega é o nome forte.

         Segundo, Mantega quer indicar um desenvolvimentista, um economista da nova matriz. Goldfajn, ex-presidente do Banco Central, é de uma capacidade extraordinária, podia ser presidente de qualquer BC do mundo. Porém, é moderado, mais clássico. Logo, se ele não serve ao novo governo brasileiro, é sinal claro de que a política econômica vai para o lado de deixar “nervosinhos” os mercados. E a população com menos emprego e renda.

         Não sei por que, mas lembrei da frase genial de Carlos Lacerda, criticando a política econômica do governo Castello Branco: essa política mata igualmente os pobres e os ricos; os pobres, de fome, os ricos, de raiva.

         Curioso. Lacerda, um direitista, criticava uma política conservadora que deu uma bela arrumada nas contas públicas. Hoje, petistas citam a política ortodoxa do Lula 1, que permitiu estabilidade e a criação de programas sociais, para depois propor o contrário.

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