SEM CONFIANÇA

. Confiança perdida  Confiança, o senhor sabe, não se tira das coisas feitas ou perfeitas, ela rodeia, é o quente da pessoa. (Riobaldo, em Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa).      
Consumir, poupar, investir ? toda ação econômica depende de confiança. Assumir um compromisso de 36 meses exige uma avaliação, ainda que não explícita, sobre o que acontecerá com o país, com a companhia e com a situação pessoal de quem toma a decisão. Ora, como calcular o grau de confiança (ou desconfiança, claro) do consumidor e do investidor?     
Economistas deram um jeito nisso. Construíram os índices montados a partir de entrevistas nas quais a pessoa vai respondendo a questões assim: como avalia a situação do país em relação a seis meses atrás, melhor, pior, igual? Como avalia a situação familiar? Acha que o país vai melhorar ou piorar? Acha que haverá mais ou menos empregos? Daqui a seis meses, o entrevistado estará ganhando mais ou menos?     
Tabulam-se as respostas e se obtém um padrão numérico. Se o entrevistado acha que tudo, no país e na família, piorou muito e vai ficar pior, isso é zero, máximo do pessimismo. Se avalia, ao contrário, que está tudo bem e vai melhorar, é 100, o máximo de otimismo.     
Eis aí: um índice de confiança tirado das coisas feitas e das opiniões enunciadas.     
Para além desses índices, existem os indicadores da atividade econômica. E nem sempre batem. Quer dizer, é possível, em certos momentos, que os números mostrem a economia em bom estado, mas consumidores e/ou executivos desanimados ou desconfiados. Às vezes, é porque a atividade econômica ainda não se refletiu em ganhos diretos para as pessoas.     
Por exemplo: há um surto inflacionário, o banco central eleva juros, o que incomoda todo mundo; passado algum tempo, a inflação cede, os juros começam a cair devagarzinho, observam-se discretos aumentos nas vendas e na produção, mas as pessoas ainda estão de bronca com o mau período anterior.     
Às vezes, se dá o contrário. Indicadores mostram que a economia já está começando a afundar, mas as pessoas ainda não notam. Enfim, leva algum tempo para que as pessoas tomem consciência da realidade econômica e incorporem essa percepção aos seus graus de confiança. A propósito, foi o que aconteceu com o índice de confiança do consumidor da FGV. Piorou nos últimos três meses, quando indicadores já mostravam recuperação da economia. Agora, em setembro, a confiança voltou a subir um pouquinho. Pode-se, portanto, concluir; em algum momento, a ficha cai e se a economia vai bem, as pessoas se satisfazem. Com a seqüência política: se a comida está barata, o governo vai bem, o presidente se reelege.     
Mas, de novo, não é simples assim. Não é só a economia que influencia o humor das pessoas. Ganha-se uma copa do mundo, e os ânimos nacionais melhoram. Idem se o país passa por um bom momento artístico, por exemplo, com músicos criativos fazendo sucesso, criando padrões e modas.     
É preciso considerar também o ambiente social, o dia a dia, a política. Não há confiança que resista a experiências cotidianas negativas: trânsito, condução lotada e atrasada; malandragens diversas; filas nas repartições; assaltos dos diversos tipos; gente mal educada; fiscais ambiciosos.     
Vai assim também no mundo dos negócios. É difícil ganhar dinheiro honestamente. Há restrições éticas ? é feio ganhar ? ideológicas – é injusto ? e práticas ? a enorme barreira de leis, regras, portarias e uma cultura que dificultam a vida de quem faz negócios.     
E, finalmente, tem o governo, com enorme presença na vida nacional. O setor público no Brasil gasta o equivalente a 40% do Produto Interno Bruto, uma presença avassaladora. Além disso, muitas atividades privadas passam pelo governo ou dependem dele, como no caso dos financiamentos dos bancos públicos.     
Não é de admirar que muita gente no Brasil acredite piamente que a única forma de se dar bem na vida é ter alguma coisa com o governo –  emprego, benefícios, contratos, empréstimos. E se é assim, a qualificação pessoal e a eficiência da empresa são preocupações secundárias. O mais importante é ter boas relações com os governantes do momento.     
Claro que nada disso é criação do governo Lula. Mas parece que piorou.     
Ocorre que o PT, apesar da recente adesão parcial à política econômica dita liberal, tem a alma estatizante. O pensamento do partido sempre entendeu que tudo se resolve pelo Estado, o ?pai de todos?, como Lula vive repetindo. Para esse pessoal, o mercado e a sociedade civil são instituições que, deixadas por conta própria, produzem injustiças e desigualdades. O Estado precisa sempre entrar no jogo para corrigir e ordenar, quer seja na economia, quer seja em educação e saúde.     
Muita gente que apoiou Lula esperava exatamente isso: mais intervenção do Estado ou, na economia, mais favores do Estado, como financiamentos especiais e proteção às empresas locais.     
Só que é difícil ampliar esses controles nos dias de hoje. Fracassou por exemplo a tentativa de colocar a imprensa sob controle direto do governo. Além disso, como o Estado já gasta além do limite razoável, e gasta mais com pessoal, custeio e previdência, não há dinheiro para atender novas clientelas.     
Resultado, o pessoal que depositava esperança na governança petista se decepciona, inclusive pela corrupção e pela repetição de métodos de 500 anos. E os que não apreciam a intervenção estatal perdem tempo e energia tentando contê-la.     
Quando eleito, Lula tinha aquela confiança de que falava Riobaldo. Tinha tanta que acabou sendo o depositário de esperanças contraditórias e aspirações impossíveis, como a de dobrar o salário mínimo real e dar terra a tanta gente que o MST simplesmente acabaria, como Lula dizia em seus comícios. Ele não sabia que não dava para fazer.     
Acrescente aí a  visão estatizante num país em que o Estado toma dinheiro demais dos cidadãos e gasta mal.     
Não podia dar certo. Agora o presidente tenta recompor a confiança com alianças duvidosas e números da economia.       
Resiste, mas a confiança já não o rodeia.     
E também não rodeia o país. Uma parte está decepcionada, outra aborrecida porque já esperava por isso mas não se conforma com o tempo perdido. E é assim que a psicologia e a política afetam negativamente a economia. Como se dizia na abertura, não há decisão econômica sem confiança.     
Foi mal. jornalista www.sardenbeg.com.br     
      
   

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