SAI PALOCCI, ENTRA MANTEGA

. Não mudará, já mudou      
Então, ficamos assim: muda o ministro da Fazenda, mas não a política econômica. Será?     
A atual política tem duas metas explícitas. Para a inflação, a meta é de 4,5% neste ano, com tolerância de dois pontos para cima. Essa margem vale para casos excepcionais, como uma crise internacional. Tirante isso, a regra é buscar o ponto central, os 4,5%. Para as contas públicas, a meta anual é fazer um superávit primário ? economia para pagar juros ? equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto (pouco mais de R$ 80 bilhões). A finalidade é reduzir o endividamento público, hoje acima dos 50% do PIB, valor considerado muito alto. Em condições ideais, não poderia ultrapassar os 40%.     
Cumprir a meta de inflação é responsabilidade do Banco Central, que está dando conta do recado.     
Já no caso das contas públicas, responsabilidade final da Fazenda, há dúvidas. Os gastos do governo federal vêm se acelerando desde o final do ano passado, quando a ministra Dilma Roussef, da Casa Civil, ganhou a briga com o então ministro Antonio Palocci. Este, baseado em estudos que mostravam um crescimento dos gastos públicos em ritmo muito acima da inflação e do crescimento da economia, propôs um programa de longo prazo de contenção dessas despesas.     
A ministra arrasou a idéia e disse que, ao contrário, o governo precisava elevar os gastos ? todos eles, sociais, de custeio e de investimentos. Levou. Um Palocci já enfraquecido não conseguiu opor resistência, por exemplo, ao forte aumento do salário mínimo.     
Há consequências imediatas. Nos dois primeiros meses deste ano, as despesas do governo federal subiram nada menos que 17% em relação ao mesmo período de 2005. Trata-se de uma expansão exagerada, acima da inflação, maior que o crescimento econômico e superior ao aumento de gastos do ano passado. O superávit primário do primeiro bimestre de 2006 está abaixo da meta, sendo menos da metade do obtido no mesmo período do ano passado.     
Mais importante, isso parece não preocupar o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Pelo menos não o preocupava antes de sentar na cadeira de Palocci. Quando o secretário do Tesouro da equipe de Palocci, Joaquim Levy, divulgou no site da Fazenda um estudo mostrando o impacto do aumento do salário mínimo, Mantega disse que a análise estava errada, que o governo Lula tinha compromisso com esse gasto social e ponto final.     
Feito ministro, Mantega disse que vai cumprir a meta de superávit primário (os 4,25% do PIB) e que concorda com as metas de inflação. Disse, aliás, que os dois objetivos são ?sagrados?. Mas se a equipe de Palocci acreditava que o grande problema brasileiro está no setor público ? que arrecada demais, gasta demais e gasta mal ? Mantega está no time de Dilma. Isto é, acha que o gasto público pode e deve aumentar. Com que disposição ele vai cuidar do cofre?     
Quanto às metas de inflação, Lula apressou-se a dizer que o BC é autônomo para cuidar disso. Mantega reafirmou que considera os juros atuais excessivos e saiu-se com esta: se a inflação está controlada, nada impede a queda mais acentuada dos juros.     
É outro ponto de forte divergência. A equipe do BC responderia: ora, a inflação está sob controle justamente porque os juros são elevados. Ou, melhor, o BC não admitiria o termo ?elevados?. Diria que os juros estão no nível necessário para conter a inflação.     
Trata-se de divergência não muito explícita. Para o BC, os juros não podem cair mais rapidamente por causa, entre outros fatores, do excesso de gasto público, que é inflacionário. Se somado a isso o aumento do gasto privado, de consumo e investimento, é inflação na veia.     
Mantega acha essa tese uma ?forçação de barra?.     
Mas, pode-se dizer, a questão dos juros ficou com o BC, que vai garantir o cumprimento da meta da inflação. E o BC já está reduzindo juros, de modo que tudo se ajeita, certo?     
Errado. O BC certamente vai suspender a redução dos juros num nível que Mantega e Dilma considerarão muito elevado. E aí? Fica por isso mesmo?     
Tudo considerado, a política econômica de fato não muda no que refere às metas oficialmente fixadas. Mas já mudou no que se refere a um fundamento essencial, as contas públicas. A aceleração dos gastos públicos está em andamento e é objetivo do próprio presidente Lula. Os problemas vão aparecer mais à frente, mas já estão no radar.  Publicado em O Globo, 30/março/2006

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