REFORMA MINISTERIAL. OU UNIVERSITÁRIA?

. Quem tinha falado em reforma universitária? O senador Cristóvam Buarque, do PT de Brasília, estava em Lisboa, como ministro da Educação, na sexta passada, quando foi alcançado pelo telefonema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em rápida conversa, Cristóvam ficou sabendo que o governo pretendia fazer a reforma universitária e o presidente considerava mais adequado que isso fosse comandado por alguém que não pertencesse ao meio universitário. Professor e ex-reitor da Universidade de Brasília, acadêmico assumido, Cristóvam estava fora. O senador, que obviamente se sentia bem no cargo, não deve ter gostado. Mas a vida e a política continuam. Desistiu da viagem à Índia, na qual acompanharia Lula, marcou passagem para Brasília, começou a preparar a transição e, como ninguém é de ferro e já que estava em Lisboa, foi comer um bacalhau acompanhado de vinho tinto, que é a combinação correta. Em Brasília, seguia a outra reforma, a ministerial, sabendo-se logo depois que o novo ministro da Educação é Tarso Genro, ex-prefeito de Porto Alegre, até então ministro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, encarregado da construção do novo pacto social, e a partir de agora encarregado de tocar a reforma universitária. Faz sentido a idéia de que uma pessoa de fora pode ser melhor para conduzir a reforma. Um professor, um reitor, por mais objetivo que consiga ser, carrega a alma da instituição e uma teia de relações tecida ao longo da carreira, que até constituem virtudes. Mas podem enviesar uma reforma, torná-la excessivamente corporativista. Uma pessoa de fora pode ser capaz de enxergar ao mesmo tempo os interesses e as necessidades da comunidade (professores, alunos e funcionários) e da sociedade em geral, assim como os limites da administração pública. É o que Lula espera de Genro. E o país fica a esperar que o ministro apresente a proposta de reforma universitária. Veremos. Mas o episódio suscita dúvidas e conclusões. Parece certo que Lula só agora resolveu colocar a reforma universitária na agenda. Se tivesse intenção de fazê-la antes, não teria perdido um ano inteiro com o acadêmico Cristóvam no comando do MEC. Mas pode haver outra explicação. Pode ser que Lula estivesse preocupado era com a reforma ministerial. Na dança das cadeiras, acabou precisando da vaga de Cristóvam Buarque – e assim inventou-se a história da reforma universitária para dourar a demissão. uito provável esta última hipótese, pois até quinta-feira, na véspera de ser demitido, Cristóvam não recebera um sinal sequer, nem seu nome frequentava a lista dos “trocáveis”. Tarso Genro garantia que ficaria em seu posto no Conselho. De todo modo, a reforma universitária é uma necessidade real e agora está na agenda política, quer o presidente tenha subitamente despertado para ela, quer a tenha arranjado para dar lógica a uma parte da dança das cadeiras. Mas não se encontra aí um exemplo de bom governo. Observem a sequência: durante a campanha, Lula, tendo Cristóvam comandando a área de educação, comprometeu-se largamente com as reivindicações dos meios universitários, que deram votos e trabalho militante ao petista. A reforma de que se falava então era a reforma do pessoal de dentro. Coerente com isso, Lula nomeia o universitário Cristóvam para o posto de ministro da Educação, no qual o senador já vai fazendo mudanças importantes, como o fim do Provão, medida, aliás, reivindicada amplamente nas universidades federais. Durante um ano, o ministro Cristóvam não sofreu restrições do governo, excetuando-se uma confusão aqui, outra ali. De repente, em meio a uma mudança ministerial iniciada para acomodar o PMDB, o presidente resolve colocar na pauta uma reforma universitária a ser feita por um não universitário, de onde se supõe que não serve mais o trabalho de um ano do ministro acadêmico. O objetivo agora parece ser uma reforma não corporativa, liderada pelo pessoal de fora, o que suscita a possibilidade de que ocorra ali a mesma situação que se verificou na área econômica logo de cara: os economistas do PT simplesmente ficaram de fora da Fazenda e do Banco Central, cujos titulares desenvolveram uma política ortodoxa. Seria a nova reforma universitária algo a ser feita pelos não-petistas? Tarso Genro é um petista da gema, pode-se dizer. Mas Antonio Palocci também é. De todo modo, se Genro obtiver no MEC o sucesso alcançado por Palocci, Lula marcará um gol, daqueles que o jogador tenta cruzar e acaba marcando. Mas também pode ser que seja tudo conversa para encobrir uma manobra política e que a reforma universitária caia logo no esquecimento. Ou seja, está começando de novo. A ver no que dá. O certo é que, nessa área da Educação, ao contrário do que dizia na campanha, o PT não tinha tudo planejado. Ou o que tinha planejado não agradava a Lula, que agora resolveu tentar outro caminho. Se der certo, será muita sorte. Mas,aqui entre nós, quem sabe alguém tem a boa idéia de restabelecer o Provão. Já seria um lucro. Publicado em O Estado de S.Paulo, 26 de janeiro de 2004

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