QUEM TRATA MAL O BRASIL?

. Quem nos trata mal? Circula entre nós uma queixa de que o mercado internacional trata mal o Brasil. “Mercado” aqui é bem amplo. Inclui, claro, investidores, bancos, fundos e pessoas, mas também as instituições internacionais e as agências de classificação de risco, essas que dão notas aos países, dizendo se é mais ou menos arriscado comprar títulos da dívida dos seus governos. Tratar mal significa espalhar, por atos – como vender papéis brasileiros ao menor sinal de instabilidade – e por relatórios, que o governo e as empresas brasileiras apresentam um risco exageradamente elevado. Há razões para se discutir a queixa, mas convém, de partida, eliminar as reclamações que são feitas na base do “eu acho”. Ninguém pode “achar” que os juros são elevados, mesmo que efetivamente o sejam. É preciso fazer contas e comparar. A boa comparação é com os principais países emergentes, aqueles considerados viáveis, isto é, que podem se tornar desenvolvidos se tomarem decisões corretas, nos momentos certos e ao longo de muitos anos seguidos. São países que competem entre si por investimentos e por mercados. E o fato é que o Brasil vai mal em algumas comparações importantes. Por exemplo, a inflação. A nossa está baixa ou alta? Aos números. A inflação corrente no Brasil está na casa dos 6% ao ano, medida pelo IPCA, índice do IBGE que é a referência oficial do Banco Central. Entre os países emergentes, apenas cinco têm números superiores. Para os demais, a inflação média corrente é de 3% ao ano. A previsão de inflação para o Brasil neste ano é de 7%, superior à de todos os principais latino-americanos (Colômbia, 6%; Argentina, 4,7%; México, 4%; Peru, 2,5%; Chile, 2%). E todos exibem índices de crescimento superiores ao do Brasil. Outro ponto de comparação está nas contas externas. O Brasil vai bem quando se observa o saldo do comércio externo. O Brasil apresenta um superávit acumulado nos últimos doze meses de US$ 28 bilhões. É um brilhante vice-campeonato. Só perde da Rússia (saldo de US$ 65 bilhões, navegando no mar de petróleo lá encontrado). Ou seja, o Brasil está fazendo superávit maior do que as máquinas asiáticas de exportar. É um indicador importante. Demonstra capacidade do país de obter divisas externas. Reduz a necessidade de tomar empréstimos, o que significa risco menor. E aquela história dos bancos: você tem crédito se provar que não precisa de dinheiro. Mas há um outro indicador que já piora a posição brasileira no quesito contas externas. Trata-se de medir a relação entre dívida externa total e exportações. A idéia é medir quantos meses de exportação seriam necessários para “pagar” a dívida. No ano passado, essa relação para o Brasil foi de 2,8 – isto é, dois anos e nove meses de exportação para cobrir toda a dívida. Neste ano, com o salto nas exportações e a dívida estável, essa relação cai para 2,5. Ainda assim é bem superior aos indicadores de, por exemplo, Rússia (1,3), México (0,8), Coréia do Sul (0,7) ou China (0,5). O Brasil também perde quando se compara o volume de comércio exterior (exportações mais importações) com o Produto Interno Bruto, o que mede o grau de abertura ao exterior. Ou seja, o Brasil é mais fechado e, assim, tem menor capacidade de obter dólares via comércio. (A propósito: as negociações para acordos de livre comércio vão mal para o Brasil. Há problemas nos acordos vigentes, como no Mercosul, e problemas nas conversas tanto relativas à Alca como à União Européia. Sinais negativos). Também há problemas no quesito contas governamentais. A dívida pública brasileira está hoje na faixa dos 57% do PIB. No México, por exemplo, é de 22%. E ainda bem menor nos países asiáticos (Coréia, 12%). Outro indicador importante está nos gastos com previdência. O Brasil gasta hoje 12% do PIB com previdência, que é o nível de gastos de países ricos e com populações mais velhas, como França, Itália e Alemanha. Países emergentes gastam bem menos (México, 7%; Turquia, 4%; Coréia, 3%). Significa, sim, que os legisladores brasileiros tomaram a decisão de gastar mais com os mais velhos, sendo generosos ao concederem direitos de aposentadoria mesmo para os que não contribuíram ou não contribuíram o suficiente. Por decisões assim, não é de estranhar que a carga tributária no Brasil seja bem maior do que nos demais países emergentes, 36% do PIB, pelo menos dez pontos percentuais acima dos outros. Só para pagar aposentadorias, outros benefícios pessoais e salários do funcionalismo, o Brasil precisa arrecadar cerca de 30% do PIB. E impostos altos tornam a economia local menos competitiva. Eis aí, quando se diz que o combate à inflação no Brasil é excessivamente rigoroso, isso está errado. Há inflação a combater. Diz-se também que o controle do gasto público é exagerado, que nenhum país faz superávit primário (receitas menos despesas correntes) tão elevado quanto o Brasil. Errado, a Turquia faz superávit primário de 6% do PIB (contra os 4,25% do Brasil) e países como México e Rússia fizeram superávits elevados quando tinham dívida maior. Na verdade, dado o tamanho de sua dívida, o Brasil precisaria fazer mais economia e não menos. Quando o ministro Palocci responde aos que pedem afrouxamento das políticas com a afirmação de que austeridade fiscal e combate à inflação são programas para décadas, ele está pensando nos indicadores aqui relacionados. Não é bem o mercado que nos trata mal. Somos nós, brasileiros, que tratamos mal nosso país, nossas contas, nossa economia. Publicado em O Estado de S.Paulo, 12/07/2004

Deixe um comentário