QUEM CRITICA E QUEM QUER DERRUBAR PALOCCI

. Fogo amigo Mais uma batalha dos juros e mais uma vitória do já famoso Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central. Mas é mau sinal essa presença constante do Copom nas primeiras páginas. Claro, taxa de juros é um preço essencial na economia, mas talvez haja fatos mais interessantes para o dia a dia das pessoas, como, digamos, a estréia de Matrix-2 ou a disputa em torno da rodada do Campeonato Brasileiro de futebol. O que é mais grave, um fim de semana inteiro sem futebol ou mais um mês de juros altos? Calma pessoal, sabemos a resposta certa. O ponto é outro. Se não houvesse crise e instabilidade econômica, o Copom não estaria na primeira página. E depois, como disse o presidente da Câmara dos Deputados, o petista João Paulo Cunha, quando reclamava dos “tagarelas” de seu partido e do governo que colocaram pressão máxima sobre o Copom: “Não se pode fazer disputa política em torno da taxa de juros”. É exatamente o que acontece, a politização extrema da política monetária e uma campanha contra o ministro da Fazenda, Anbtonio Palocci. Bem entendido, não há problema nenhum no debate em torno da taxa de juros. Os mercados fazem isso todos os dias úteis, comprando e vendendo títulos e assim formando a “curva futura de juros”. Os analistas discutem todos os dias nos seus boletins. Trata-se de um debate que também observa contornos políticos (por alguma razão a coisa se chama política econômica), mas há um acordo de base, a eficácia do regime de metas de inflação, por exemplo, e a forma é técnica. Muita gente prefere ignorar a ciência econômica e achar que tudo não passa de empulhação neoliberal. A verdade, porém, é que a economia está entre as ciências que mais se desenvolveram nesta nossa era. A propósito, as críticas mais agudas ao neoliberalismo partem de economistas que fazem a ciência com o mesmo rigor técnico. Em resumo, havia na semana passada bons argumentos, apresentados por economistas de respeito, a favor de uma redução da taxa básica de juros. Assim como o Copom teve poderosas razões para manter os juros. Como tudo que se refere a ciências humanas, só se saberá quem estava certo daqui a algum tempo, quando as decisões tomadas hoje fizerem efeito. Agora, isso tudo é muito diferente do que disse o vice-presidente José Alencar. Bem traduzido, o recado dele foi o seguinte: esses caras do BC são uns idiotas que vão afundar o Brasil. Não há como argumentar em relação a isso. Também não há debate diante da crítica que vem preferencialmente da esquerda, mas também agrada a neooposicionistas. Diz que existem todas as condições para a derrubada dos juros e o Copom só não faz isso porque está a serviço do “sistema financeiro”. Trata-se de ataque político, daqueles que desclassificam o alvo. No caso, o alvo se estende até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se ele banca o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que banca o Banco Central, então Lula está a serviço do sistema financeiro. Está mesmo? – pergunta-se ao pessoal que faz essa crítica. Não, ele não, apressa-se a responder esse pessoal. Mas se a política do Copom é a do governo, como disse o ministro José Dirceu, então só resta uma alternativa: Lula está sendo enganado e/ou iludido por Palocci. Conclusão, o pessoal quer derrubar Palocci e trocar a política econômica para lançar o tal Plano B. Quanto aos empresários, são unânimes na condenação dos juros altos. Mas não desejam derrubar Palocci. É verdade que alguns até gostariam, especialmente aqueles que esperavam um governo generoso na distribuição de subsídios e financiamntos a juros de companheiro. Mas a maioria dos empresários aprecia o rigor fiscal de Palocci, as reformas e assim por diante. Mesmo assim, é preciso distinguir entre as críticas. Para alguns, já há condições de redução dos juros dadas a queda do dólar e desaceleração da inflação. É um argumento, ao qual se opõe o outro segundo a qual a queda do dólar não é firme (ainda há muito instabilidade) e a inflação permanece com muita inércia. Um debate. Já não é debate quando se diz que o BC faz uma recessão para proteger os ganhos do sistema financeiro. Aí, de novo, é ataque para derrubar. Gente, não faz o menor sentido supor que Lula passou a vida disfarçado de líder sindical, popular e de esquerda, sendo na verdade um lacaio do imperialismo neoliberal. Também não se pode admitir que Lula não saiba o que está fazendo. É certo que ele não é versado em macroeconomia, mas não é preciso sê-lo para se saber de que lado se está. Em resumo, o ponto de vista da atual política econômica diz simplesmente o seguinte: é preciso antes derrubar efetivamente a inflação e garantir a estabilidade fiscal, inclusive com as reformas, para que o país volte a crescer de modo consistente. Entende-se que uma derrubada extemporânea dos juros pode levar a um crescimento imediato, porém efêmero e com volta da inflação.No debate sério, os críticos dizem ou que já há espaço para começar a reduzir juros ou que não tem importância uma inflação um pouco mais alta por alguns meses. Isso, de novo, se resolverá ao longo do tempo e não cria instabilidade. Quanto aos ataques políticos, passa-se com o governo Lula o mesmo que se passou com FHC. Recebe uma carga de fogo amigo, dos companheiros que desejam mudar as bases da política econômica. Essas geram instabilidade. Como não conseguem convencer Lula da viabilidade e confiabilidade do Plano B – e este é o ponto essencial – vão para o ataque tentando desestabilizar Palocci e Henrique Meirelles. Isso obriga o presidente e seus principais ministros a prestigiar a equipe econômica a todo instante. É desgastante e até tira espaço político do presidente. Em situação de calmaria, com um BC autônomo, o presidente teria todo o direito de reclamar dos juros altos. Poderia dizer algo do tipo: “Respeito e entendo os motivos do Copom, mas por mim apreciaria a redução dos juros”. Teria até bom efeito político junto à população. Mas se dissesse isso hoje, pareceria que estava em oposição a seu próprio governo e criaria enorme instabilidade. Assim, para responder ao fogo amigo, Lula acaba sendo obrigado a endossar formalmente o Copom, o que não precisaria fazer e, de certo modo, nem deveria. Fogo amigo costuma ser mais perigoso porque apanha desprevenido. Publicado em O Estado de S.Paulo, 26/05/2003

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