Mais debates sobre os salários e as condições de trabalho da magistratura
Juízes do Brasil todo reclamaram da coluna da semana passada, com o mesmo título. Protestaram mais, porém, magistrados do Judiciário estadual de São Paulo. Estes se queixam duplamente: dos vencimentos básicos, que consideram baixos, como todos, e de sua situação, digamos, desfavorecida. Os paulistas têm menos vantagens do que seus colegas de outros Estados.
Muitos enviaram links para as leis estaduais que regulam a remuneração dos juízes, algumas delas mais do que generosas. Muito citada a lei 5.535/09, do Estado do Rio de Janeiro, pela qual desembargadores e juízes, mesmo aqueles que acabaram de ingressar na carreira, chegam a ganhar mensalmente de R$ 40 mil a R$ 150 mil. A remuneração básica, de R$ 24.117,62, é hipertrofiada por “vantagens eventuais”. Alguns desembargadores receberam, ao longo de apenas um ano, R$ 400 mil, cada, somente em penduricalhos, conforme apontou reportagem deste mesmo Estadão.
Tudo dentro da lei, tem repetido o presidente Tribunal Do Rio, Manoel Alberto Rebêlo dos Santos ? mas a lei é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Segundo juízes paulistas, o Judiciário do Distrito Federal é ainda mais escandaloso.
Assim, por ironia, ficamos sabendo que a argumentação da coluna da semana passada fazia todo sentido. Por todo o Brasil, juízes e magistrados deram um jeito de driblar a lei do teto com ?vantagens pessoais? que multiplicam muitas vezes o chamado ?subsídio?. Ficamos sabendo, também que há desigualdade entre os juízes e, de um modo geral, no quadro do aparelho Judiciário (promotores ganhando mais que magistrados, por exemplo).
Os juízes paulistas que nos escreveram não reivindicam esses ?quebra-galhos?. Mas acham que ganham pouco e merecem mais.
Dizem que R$ 20 mil por mês, início de carreira, não está à altura do trabalho e da função social. Para escapar das avaliações subjetivas, todo mundo acha que trabalha muito e ganha pouco? é preciso fazer comparações.
Um juiz federal nos Estados Unidos começa ganhando US$ 174 mil ao ano, o que dá pouco mais de R$ 25 mil ao mês, ao cambio de R$ 1,75. O juiz paulista ganha R$ 260 mil ao ano (13 salários), o que dá cerca de US$ 150 mil ? 24 mil dólares a menos do que seu colega americano.
Mas a comparação não se esgota aí. O juiz americano ganha o equivalente a 3,6 vezes a renda per capita nacional. O brasileiro ganha 12,5 vezes a mais.
Ainda na última sexta-feira, o IBGE informou que o salário médio real do trabalhador brasileiro, em janeiro último, foi de R$ 1.672. Ou seja, os juízes (e demais da carreira Judiciária) ganham pelo menos 12 vezes mais que a média nacional.
Resposta dos diretamente interessados: os salários são baixos no Brasil, não se pode nivelar por aí. Mas são baixos, comparados com os americanos, justamente porque o país não é rico.
E aqui reparem: os EUA estão entre os mais ricos do mundo e mesmo assim não pagam a seus magistrados 12 vezes mais que a média ou a renda per capita nacional.
Muitos, de novo, compararam os salários da magistratura com os ganhos dos advogados do setor privado. Não faz sentido. John Roberts, presidente da Suprema Corte dos EUA, faturou US$ 1 milhão em 2003, seu último ano na iniciativa privada, como advogado. Ganha hoje US$ 223 mil ao ano, ou cerca de R$ 32,5 mil por mês, pouco mais que o vencimento básico do juiz da Suprema Corte brasileira.
Roberts tem batalhado pelo aumento salarial dos seus juízes, mas reconhece que não há como comparara com advogados bem sucedidos. Se fosse assim, observa, ele não teria como explicar porque trocou a advocacia pela magistratura.
Mesmo porque, se quisesse ganhar mais dinheiro e se considerasse competente para enfrentar o mercado privado competitivo, ele poderia perfeitamente renunciar ao cargo na Suprema Corte. Como podem fazer todos os demais, lá e aqui.
Já um outro membro da Suprema Corte, Stephen Breyer, sugeriu comparar o salário do juiz com o de um professor titular de uma boa Faculdade de Direito. Lá, o mestre ganha mais. Aqui, bem menos.
Tudo considerado, o juiz brasileiro, mesmo sem os penduricalhos, ganha proporcionalmente mais que seu colega americano e mais que os colegas de muitos outros países mais ricos. E muito mais que a média do trabalhador brasileiro, estando entre os mais bem pagos do setor público.
Perderam a noção
Além dessa discussão, digamos, objetiva, há magistrados que, falando francamente, perderam a noção.
Quando defendem o salário, dizem que não é líquido, pois desconta IR e previdência. Ora, todos os assalariados descontam.
Dizem que pagam mais para a sua previdência, os 11% sobre o salário total. Verdade. Mas recebem aposentadoria praticamente integral, muito mais vantajosa do que a do pessoal do INSS.
Reclamam que não têm FGTS. Lógico que não, pois não podem ser demitidos.
E há campeões nesse quesito. O novo presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Marcelo Bandeira Pereira, disse à jornalista Juliana Bublitz, da Zero Hora, sobre a ?necessidade? das férias de 60 dias: ?Trabalhamos com o raciocínio, com a cabeça, e o juiz é juiz 24 horas por dia. Existem dois meses de férias, mas um mês nós consumimos tentando recuperar o serviço atrasado?.
Ora, quem não trabalha com a cabeça, além dos cavalos? E como um leitor sugeriu ao meritíssimo: ? Faça como todo o brasileiro normal, curta os 30 dias e trabalhe os outros 30 dias normalmente, que o serviço não atrasa?.
Publicado em O Estado de S. Paulo, 20 de fevereiro de 2012