A LONGA CONTA DO SALÁRIO MÍNIMO

. Nove homens e uma conta A discussão sobre o aumento do salário mínimo deveria ser técnica. Mas é demais esperar isso do PT O problema é que dois mais dois são quatro qualquer que seja a ideologia do governo, quer este tenha vontade política ou não. A resistência a esta verdade universal leva o governo Lula e sua clientela a uma inútil tentativa de multiplicação das receitas. Como gastar oito tendo apenas quatro? Durantes seis horas, no último dia 14, ministros e líderes no Congresso juntaram-se ao presidente, no Palácio do Alvorada, para fazer a conta de chegar no salário mínimo que entra em vigor no próximo 1o. de maio. Pois os nove homens deixaram a reunião extenuados, ainda somando e diminuindo, e sem a resposta. A equação, entretanto, é simples e não tem incógnita: cada real a mais no salário mínimo representa uma despesa adicional para o INSS de R$ 12 milhões por mês. Portanto, há apenas dois meios de se fazer a conta: um, definir quanto se tem no orçamento, dividir e verificar quanto cabe ao mínimo; dois, definir quanto se quer dar para o mínimo, multiplicar e verificar quanto se vai gastar. Como se pode perder tantas horas de reunião com isso? É que alguns ministros e líderes parlamentares se concentram na “dimensão política” do salário mínimo, como se isso mudasse a aritmética. Esta parece ser um problema exclusivo do Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, constrangido a passar o tempo todo perguntando de onde se vai tirar o dinheiro. O fato é que o governo está aumentando os gastos com salários, aposentadorias e com o funcionamento da máquina. E quer gastar mais. O objeto de cobiça, no momento, é o excesso de arrecadação do governo federal no primeiro trimestre do ano, R$ 2,6 bilhões além do projetado. Ocorre que, considerando promessas anteriores, esse dinheiro já era. Reajustes pontuais de algumas categorias de servidores públicos comprometeram cerca de R$ 800 milhões, conforme informou o Ministério do Planejamento à época das negociações. Depois, o presidente Lula prometeu mais R$ 1,7 bilhão para a reforma agrária neste ano. Pronto, na aritmética, digamos, não petista, a convencional, que tem mais de cinco mil anos, já há um excesso de gasto de R$ 2,5 bilhões. Sobram, portanto, R$ 100 milhões, o que não é nada diante das demandas que estão na mesa. A proposta de reajuste que o governo fez para parte dos funcionários públicos deve consumir cerca de R$ 500 milhões além do bilhão que estava reservado para esse fim. A elevação do salário mínimo para R$ 270 (com um ganho real de 6,5%) exige um gasto adicional de R$ 1,6 bilhão em relação ao que está previsto no orçamento, que seria a simples a reposição da inflação, para R$ 256. Com essas hipóteses, toda a receita extra do primeiro trimestre foi consumida e já faltam R$ 2 bilhões. E isso sem considerar o reajuste para militares e para as diversas categorias que estão em greve. Não vai dar, é claro, mesmo sabendo que haverá mais excesso de arrecadação ao longo dos próximos meses. De todo modo, há uma questão política aí. A seguinte: por que o excesso de arrecadação deve ser consumido? Por que não poderia ser poupança do governo ou devolvido ao setor privado na forma de redução de impostos? Na verdade, só há um tipo de excesso de arrecadação que se pode considerar positivo. É aquele que aparece quando a economia cresce mais que o esperado. Mais empresas produzindo e vendendo, mais pessoas ganhando e gastando – eis aí um bom aumento de impostos pagos. Ora, a economia brasileira não mostrou crescimento acelerado no primeiro trimestre deste ano. Ao contrário, há sinais de que a recuperação perdeu fôlego em relação ao último trimestre do ano passado. Ainda assim, houve um expressivo salto da arrecadação federal em março (veja o quadro). Isso se deve, no essencial, aos ganhos com a nova Cofins, que passou a ser cobrada em fevereiro, o dinheiro caindo na conta no mês seguinte. Essa contribuição era de 3% sobre o faturamento das empresas, uma taxação em cascata, que se acumulava ao longo do processo de produção e distribuição. Uma grave distorção. Agora, a contribuição incide sobre o valor adicionado, sem cascata, portanto. Mas a alíquota subiu para 7,6%, de modo a evitar perdas para a Receita. Faz tempo que empresários e técnicos do setor privado sustentam que a nova alíquota é exagerada e representará, na prática, um aumento de carga tributária. Pois a arrecadação de março indica que tinham razão. Para a Receita Federal, há um ganho inicial, que depois se dilui. Depois quando? Um longuíssimo prazo, parece, pois na própria elaboração do orçamento deste no o governo incluiu um ganho real na Cofins de R$ 5 bilhões só com o novo sistema de cálculo. E mais R$ 2 bilhões com a cobrança da contribuição na importação, que começa no próximo mês. Há uma promessa do ministro Palocci de que reduzirá impostos caso se confirme um salto exagerado na arrecadação da nova Cofins. Mas há dois obstáculos aí. Primeiro, que a Receita Federal quer esperar diversos meses para examinar o comportamento da contribuição. E segundo, e mais grave, que o governo já está gastando por conta. Com isso, a administração Lula voltou ao padrão da era FHC: aumentos de impostos anuais para cobrir gastos públicos sempre crescentes. O primeiro ano de Lula foi uma boa, e enorme, surpresa. Pela primeira vez em muitos anos, o governo federal conseguiu uma redução de gastos em termos reais, descontada a inflação. E, assim, não aumentou a carga tributária. Mas quando se olham os números mais de perto, verifica-se que não foi uma boa novidade. O governo aumentou gastos com o funcionalismo, com as aposentadorias e com custeio. E cortou nos investimentos. Ora, uma boa gestão pública deveria fazer o contrário. Reduzir gastos com a folha e o custeio, para investir mais em infraestrutura, por exemplo, um gasto que se multiplica pela economia. Para este ano, a distorção se agrava: pela andar da carruagem, subirão de novo os gastos com salários (inclusive com novas contratações) e aposentadorias, agora financiados com elevação da carga tributária. Ou seja, estão mandando a conta para as pessoas e as empresas Publicado na revista Exame, edição 816, data de capa 28/04/2004.

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