QUANDO FALAREM QUE O GOVERNO TEM DE PAGAR…

. Você pode colocar a mão no bolso Primeiro foi o presidente da CUT, João Felício, a dizer que a mega correção das contas do FGTS deveria ser paga pelo governo, não pela sociedade. Depois, foi o outro lado. O presidente da Confederação Nacional da Indústria, deputado Moreira Ferreira, disse que a conta não poderia ser paga pelos empresários e trabalhadores, mas sim pelo governo.  Considerando-se que a sociedade é formada, no essencial, por trabalhadores e empresários, verifica-se que os líderes sindicais mostraram-se inteiramente de acordo. Infelizmente, porém, não se trata de uma manifestação de harmonia entre capital e trabalho. Na verdade, cada um defende o seu lado e tenta mandar a conta para outros setores da sociedade. Começa que a tese central – a conta é do governo, não da sociedade e/ou dos trabalhadores e empresários – é uma bobagem. De onde vem o dinheiro do governo? Dos contribuintes que pagam seus impostos, ou seja de toda a sociedade e, na maior parte, dos empresários e trabalhadores. Isso é tão óbvio que não pode ser ignorado pelos líderes sindicais. Mas a frase, em qualquer das duas versões, é forte, tem apelo político, especialmente quando dita para uma câmera de televisão, como, aliás, ocorreu nos dois casos. Portanto, não terá sido por ignorância, mas por oportunismo. O que nos coloca no centro da questão. A conta, qualquer que seja a solução, vai ser paga pela sociedade. Mas a partir daí, há uma disputa política: quem, dentro da sociedade, vai pagar a maior parte?  O Supremo Tribunal Federal determinou que se aplique uma correção monetária adicional nas contas do FGTS que estavam ativas na época dos Planos Verão (1989) e Collor 1 (90). Portanto, os trabalhadores titulares dessas contas são os beneficiários imediatos. Eles receberão os R$ 40 bilhões que se estima seja o valor da correção. Mas há outros setores envolvidos no universo do FGTS, entre os quais se destacam: os trabalhadores que não tinham conta na ocasião daqueles dois planos, mas que têm interesse na saúde financeira do FGTS; os empresários que contratam com carteira assinada e que todo mês depositam 8% da folha de salário nas contas do Fundo; o setor da construção civil, que depende do FGTS para o financiamento de casa própria e de obras de saneamento; prefeituras e governos estaduais que dependem desses financiamentos para investimentos; todos os que aspiram empréstimo para comprar sua residência; e a Caixa Econômica Federal, que administra o dinheiro. Para todos esses setores, interessa a proposta segundo a qual os R$ 40 bilhões devem ser inteiramente pagos pelo Tesouro, à vista. O caixa do FGTS, hoje em torno de R$ 8 bilhões, teria multiplicada por cinco a sua capacidade de financiamento. A conta estaria sendo paga por todos os que recolhem impostos, incluindo, portanto, os setores e pessoas diretamente beneficiadas. Mas também estariam pagando os trabalhadores que não tinham conta no FGTS em 89 e 90, os “sem-FGTS”, que não têm carteira assinada – e que são mais da metade da força de trabalho – os que não trabalham e as empresas não ligadas à construção civil. Considere-se ainda que, ao destinar R$ 40 bilhões para o FGTS, o Tesouro teria que gastar menos nas outras áreas do governo federal (funcionalismo, previdência, saúde, educação, segurança, juros etc..), prejudicando a clientela desses gastos. Esse é o significado exato da frase “é o governo que tem de pagar”. A alternativa é mandar a conta para o universo do FGTS. Daí vêm algumas propostas, tais como a de aumentar o depósito feito pelas empresas de 8% para 8,5% e reduzir para 7,5% a parte destinada aos trabalhadores, destinando-se esse 1% de cada salário para o financiamento da correção determinada pela Justiça. Outra é a idéia de aumentar de 40% para 60% a multa paga pelas empresas em caso de demissão. Mas essas propostas também trazem inconvenientes legais, políticos e éticos. Por exemplo: cobrar uma parcela dos trabalhadores que hoje têm conta no FGTS é uma transferência de renda destes para os que tinham conta na ocasião dos Planos Verão e Collor 1. Por outro lado, há casos de trabalhadores que tinham conta em 1989 e 90 e não a têm agora – e esses receberiam a correção sem pagar nada em troca. Pode-se imaginar a hipótese pela qual a parcela de 0,5% fosse cobrada hoje apenas de trabalhadores que tinham conta na ocasião daqueles planos. E aí cairíamos na esdrúxula situação de cobrar a dívida do credor. Outro problema dessas propostas de procurar o dinheiro dentro do FGTS é que aumentam encargos trabalhistas já elevados. Finalmente, gastar o caixa do Fundo zera os financiamentos à habitação e saneamento, quando é o contrário de que se precisa. O setor de construção civil alavanca a economia, cria empregos e atende demanda social justa. Enfim, estamos no mato sem cachorro. Qualquer solução é um ônus para a sociedade e implica em transferência de renda entre pessoas e setores. No fim, a conta ou pelo menos a maior parte dela será paga pela viúva do Tesouro, a senhora Sociedade. É a saída mais simples mesmo porque os contribuintes, espalhados por esse país afora, não vão se juntar numa passeata anti-FGTS em Brasília. Como R$ 40 bilhões extras não cabem no orçamento de um ano – equivalem a quatro vezes o déficit do INSS – a conta será necessariamente parcelada em anos. Também será razoável que saia parte em dinheiro, parte em títulos de longo prazo, parte em patrimônio (ações de estatais, por exemplo). Enquanto isso, toda vez que você ouvir alguém dizer “é o governo que vai pagar”, pode colocar a mão na bolsa. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 05/02/2001)

Deixe um comentário