POR QUE NINGUÉM SOUBE DOS GASTOS SOCIAIS DE FHC?

. Tudo pelo social… no governo FHC O governo Fernando Henrique Cardoso apareceu carimbado na campanha eleitoral como uma administração que “só” fez a estabilidade da moeda e esqueceu-se do social e dos pobres. Mas ainda no finalzinho da campanha, o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Anan, anunciou que FHC era o primeiro vencedor de um novo prêmio da instituição destinado ao chefe de governo que consegue os melhores avanços justamente na área social. Não é uma opinião apenas da ONU, nem resulta da óbvia admiração que Anan dedica a FHC. O prêmio é concedido com base na análise dos números dos diversos países. E por esse critério, o governo Fernando Henrique é um campeão mundial de programas sociais. Ainda recentemente, um diretor do Banco Mundial, Vinod Thomas, disse que o Brasil “está entre os três países de avanço mais rápido em saúde básica, educação e outros indicadores sociais”. Os números são efetivamente impressionantes. O Projeto Alvorada, organizado para atender os municípios e regiões com os menores índices de Desenvolvimento Humano, montou a Rede de Proteção Social, com distribuição direta de dinheiro (sacado pelas mães com cartão magnético) em bolsa-escola, bolsa-alimentação, erradicação do trabalho infantil, agente jovem. Segundo a coordenadora do Projeto Alvorada, Wanda Engel, são nada menos que R$ 23 bilhões anuais entregues às mães das famílias mais pobres das regiões mais pobres. Incluindo-se os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social, para programas de combate à exclusão social, o volume chega perto de R$ 30 bilhões, valor equivalente a todo o IR (pessoa física e jurídica) recolhido pelo governo federal, como nota o presidente FHC. É o caso de reparar: o IR, pago pelos que ganham mais, vai para os mais pobres. Se isso não é distribuição de renda, o que é então? Diante desses números, os R$ 5 bilhões que os assessores do presidente Lula estão procurando no Orçamento para dar a partida ao Programa Fome Zero parecem muito pouco. De todo modo, para saber a quem distribuir alimentos, o novo governo vai contar com um cadastro de 9,3 milhões de famílias pobres, resultado do Projeto Alvorada, e uma realização inédita e essencial. Um dos grandes problemas dos projetos sociais foi justamente a perda do dinheiro pelo caminho, antes de chegar aos pobres. Agora, sabe-se exatamente onde estão eles – efeito da aplicação do que os organismos internacionais chamam de tecnologia de inclusão social, desenvolvida por aqui. Na área da educação fundamental, o governo FHC também deixa uma boa herança. Hoje, praticamente todas as crianças em idade escolar estão na escola. Subiram os salários dos professores da rede fundamental, com o Fundef – fundo federal destinado a apoiar escolas municipais e estaduais. Melhorou a distribuição da merenda, os livros didáticos chegam a tempo, desenvolveu-se o treinamento de professores à distância, com aulas pela Internet ou por canais de satélites. Desenvolveram-se os métodos de avaliação, com o Provão para universitários e o Exame Nacional do Ensino Médio. A preocupação agora é avançar na qualidade do ensino fundamental e colocar mais jovens no ensino médio. Mas há uma base. Por que nada disso apareceu na campanha eleitoral? Ou, dito de outro modo, por que colou o carimbo “nada fez pelo social”? No caso da campanha, o candidato governista, José Serra, orientado pelas pesquisas, resolveu que não era o caso de falar do passado, mas de apresentar alternativa para o futuro, como se analisou no artigo da semana passada. Mas o “nada fez pelo social” não pegou apenas na campanha. Uma recente pesquisa feita pelo Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo, Idesp, organizada por Bolivar Lamounier e Amaury de Souza, mostrou que as elites brasileiras também batem aquele carimbo. Foram 500 entrevistas com pessoas de diversos setores de atividade. Os três aspectos em que o governo FHC é mais bem avaliado são o prestígio internacional do país (78% de ótimo/bom), estabilização da economia (72%) e relações com o Congresso (57%). Os três com as piores avaliações são política energética (apenas 6% de ótimo/bom), a política industrial (16%) e justamente as políticas de combate à pobreza e às desigualdades sociais (18%). E estamos falando das elites, sempre mais informadas, e que deram excelente nota para o governo FHC: 48% de bom/ótimo, contra 19% de ruim/péssimo. Assim, ou os números referentes ao desempenho do governo FHC na área social estão errados; ou são aqueles mesmos e são ruins; ou são aqueles mesmos, são bons e estão mal avaliados; ou ainda, há uma enorme desinformação no país sobre esse assunto. É difícil que os números estejam errados ou falsificados. Outra das novidades deste governo foi justamente o aperfeiçoamento e a transparência das contas públicas. Além disso, os organismos internacionais, que financiam parte dos programas sociais, acompanham com extremo zelo a aplicação e o resultado dos projetos. E são esses organismos internacionais que apresentam as melhores avaliações da ação social do governo FHC. Talvez essa ação social seja significativa quando comparada à de outros países, mas claramente insuficiente quando comparada às necessidades locais. E isto é verdade: falta muito por fazer. Mas este não é um bom critério de avaliação. Seria como dizer que um corredor da maratona vai mal porque só avançou dez dos 40 quilômetros da competição. É preciso avaliar a velocidade e qualidade das passadas. É o que fazem os organismos internacionais quando examinam os programas sociais brasileiros. E dizem a ONU e o Banco Mundial que o avanço e a velocidade são notáveis. Assim, se os programas sociais são bons quando comparados com o que se faz em outros países e com o que se fazia no país, representando um avanço efetivo, a explicação para o carimbo “nada fez pelo social” passa pela imprensa e pelo próprio governo. O governo foi incompetente em sua comunicação não apenas na divulgação das políticas sociais, mas em toda a administração. Em particular, é incompreensível que não se tenha recorrido mais à reconhecida boa lábia de FHC. Reparem quantas vezes o presidente George Bush aparece na televisão, falando desde bolsa para estudantes pobres de Washington até cortes no orçamento. Mas por algum motivo ainda não entendido, o governo FHC ficou o tempo todo na defensiva na comunicação. Em parte por isso, falta de fontes , e em parte por seus próprios defeitos ou apenas seu modo de ser, a imprensa não foi capaz de cobrir as mudanças que se faziam na área social. Isso exigiria mandar repórteres para os grotões do Brasil, não apenas uma ou outra vez, mas com frequência, para acompanhar os projetos. Seria preciso ter setoristas e especialistas em fome. Mas isso custa caro e não dá manchetes. Melhor dizendo: a fome só dá notícia quando está matando, não quando está sendo saciada – e isso tem a ver com a imprensa do mundo todo. Além disso, grande parte dos jornalistas tinha pavor de fazer reportagens que pudessem parecer favoráveis ao governo FHC. Isso ocorreu em parte pela convicção política dos jornalistas, o que sempre influencia as pautas por mais objetivo que se tente ser, e em parte porque a imprensa normalmente tende a ser oposicionista. E mais ainda no Brasil da democracia renovada, em que órgãos de imprensa, tentando também refazer sua imagem, passaram a disputar quem é o mais crítico. Tudo considerado, o fato é que muita coisa do governo FHC não apareceu ou apareceu mal explicado. O curioso é que certamente vai aparecer daqui em diante. Aliás, já está aparecendo. O viés social do futuro governo Lula recolocou na pauta os programas em andamento. O Fome Zero começou a ser debatido justamente em relação ao que já se faz, com muitos especialistas preferindo os atuais métodos. Vai ser assim em muitos aspectos. Na campanha, o governo Lula foi apresentado como o oposto do governo FHC, o bem depois do mal. Na transição, já não é bem assim. Há muita coisa a manter e a repetir. No exercício do poder, quando o novo governo enfrentar as restrições práticas, mudará ainda mais. Será curioso observar como a imprensa vai lidar com isso e, sobretudo, como os eleitores entenderão, ou não, um quadro que não lhes foi apresentado na campanha. Publicado em O Estado de S.Paulo, 18/11/2002

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