PETRÓLEO E DÍVIDA EXTERNA

.   Vai faltar petróleo      
O mundo tremeu na sexta passada. Foi quando correram notícias sobre uma explosão em uma importante refinaria da Arábia Saudita, país que detém as maiores reservas de petróleo, é o maior produtor e o maior exportador mundial. Parecia ser ?o? atentado que tanto se teme. O preço do óleo começou a subir nos mercados internacionais.     
Explica-se: produção e consumo de petróleo, no mundo, estão equilibrados em torno dos 85 milhões de barris/dia. Não falta óleo, mas a equação está justinha, sendo que os países produtores estão trabalhando com o máximo de sua capacidade. Só a Arábia Saudita tem condições imediatas de aumentar sua produção, hoje em torno dos 10 milhões de barris/dia. Condições e disposição política de fazer isso, dada sua relação quase amistosa com o Ocidente. Mas é justamente essa relação que provoca a oposição dos grupos radicais islâmicos, que sonham sabotar a produção saudita e derrubar o governo local.     
Na sexta-feira foi quase. Terroristas pilotando dois carros-bomba tentaram invadir a  refinaria de Baqiq, em um dos maiores complexos petrolíferos da Arábia Saudita. Foram interceptados pela segurança, houve torça de tiros, os carros explodiram. Quando surgiram as primeiras notícias, falava-se em danos à refinaria.     
Depois, o governo saudita garantiu que a refinaria estava intacta e produzindo. Ficou valendo essa versão. A Arábia Saudita é uma ditadura, com imprensa controlada. Só tem a palavra do governo. Mas nestes tempos de celular e internet, logo se saberá toda a história.     
De todo modo, o mundo passou muito perto de uma das grandes ameaças do momento ao crescimento econômico, vigoroso há quatro anos: o colapso da produção saudita. Não haverá como substituí-la. E o atentado de sexta mostra que os terroristas estão, sim, dentro da Arábia Saudita. Sabe-se que a polícia e o exercito locais são bem equipados, treinados e, digamos, assim, duros com os adversários. Mas os carros bomba chegaram na porta da refinaria.     
Há problemas políticos, atuais ou potenciais, em vários dos países donos das maiores reservas ? Irã, Iraque, Nigéria, por exemplo.     
Além disso, o que é mais importante, a base do negócio, sem terrorismo, já esta complicada. Hoje, para cada barril de petróleo descoberto, o mundo consome dois. Nos últimos 20 anos, tem sido assim: consome-se mais óleo do que se descobre. Tem mais: os novos campos encontram-se em local de difícil, e cara, exploração. Há graves problemas ambientais. O petróleo recém encontrado, como o brasileiro, é, na maior parte, de um tipo pesado, que exige mais investimentos em refino.     
A economia mundial continua queimando. Na China, ainda falta incorporar mais de metade da população ? algo como 800 milhões de habitantes – ao ritmo alucinante de crescimento.     
Resumo da ópera, se não faltar energia, vai ficar cara para sempre.     
Portanto, é preciso, de um lado, atuar na ponta de consumo. É possível. Hoje, o mundo sabe tirar muito mais energia de um litro de óleo do que nos anos 70, quando da primeira crise. (Aliás, que tempos, hein! O barril custava três dólares).     
Mas é preciso racionalizar ainda mais, inclusive com as demais fontes. Na ponta da produção, trata-se de investir em todas as outras possibilidades de gerar energia. E pensar nisso tudo a partir deste ponto: energia é cara e escassa.     
O Brasil está melhor na foto que muitos outros países. Encaminha-se para auto-suficiência em petróleo, é extremamente competitivo no álcool e tem reservas de gás, sem contar as possibilidades hidrelétricas. Mas não pode bobear. Precisa investir em todas as áreas ? e a verdade é que só a Petrobrás está investindo. Faz tempo, por exemplo, que não se investe para valer em geração hidrelétrica.     
O governo Lula vai fazer o maior alarde com a auto-suficiência no petróleo, mas está perdendo o tempo na hidrelétrica e em outros setores. Também está atrasado ou inativo nos programas de racionalização no uso de combustíveis.     
O que o país menos precisa é ficar brigando com usineiro e dono de posto de gasolina.     
    
     
A dívida externa, Quem diria, Acabou no Brasil     
Pode-se marcar a data: a dívida externa brasileira morreu na última quinta, 23, quando o governo brasileiro anunciou que vai recomprar e tirar do mercado todos os títulos ?bradies?. Os bradies são papéis emitidos em 1994, quando Pedro Malan e André Lara Resende concluíram a renegociação da dívida externa que resultara dos calotes dos anos 80 ? o de 1982, do último governo militar, o de João Figueiredo, e o de 1987, do primeiro civil, de José Sarney, com a chamada ?moratória soberana?.     
(Cuidado, portanto. Democracia não é garantia de boa gestão econômica. Nem ditaduras.)     
O então secretário do Tesouro dos EUA, Nicolas Brady, pilotou essa ampla renegociação que envolveu, além do Brasil, diversos outros países emergentes. E deu nome aos papéis que substituíram a dívida inadimplente.     
De lá para cá, cada país tocou sua vida e muitos, como o México, por exemplo, já haviam liquidado seus ?bradies?. Formalmente, são títulos iguais aos outros emitidos posteriormente. Mas trazem o pecado original, são filhos do calote. Melhor mesmo eliminá-los do cenário.     
Como o governo brasileiro já havia liquidado a dívida com o FMI ? outro símbolo dos tempos de crise nas contas externas ? e está recomprando outros papéis de curto prazo, além de adquirir dólares para montar reservas abundantes, a conclusão é inequívoca: a vulnerabilidade externa acabou.     
Isso quer dizer o seguinte: se houver uma crise financeira internacional, com escassez de dólares e altas taxas de juros, sabe o que acontece com o Brasil? Nada. O governo tem reservas suficientes para cumprir todos os compromissos externos pelos próximos três anos, sem tomar um centavo emprestado. A dívida externa pública líquida deve ser hoje em torno de US$ 25 bilhões, a perder de vista, com juros cada vez mais baixos. Ou seja, um não problema, dado, por exemplo, o tamanho das exportações, acima dos US$ 120 bilhões/ano.     
Mas o Brasil cresceu pífios 2,3% no ano passado, mais ou menos a metade da média mundial. Muito atrasado. É que, resolvido o lado externo, restam a dívida interna e um setor público que gasta demais e gasta mal: muito em custeio e, sobretudo, na Previdência, e quase nada em investimentos. Isso com um sistema regulatório que não está estimulando o investimento privado.     
Vida dura. Rema, rema, e ainda não chegou. Publicado em O Estado de S.Paulo, 27 de fevereiro de 2006

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