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Pela democracia, de novo

       Pela democracia, de novo

  Carlos Alberto Sardenberg

         (Para Jô Soares)

         Os grandes bancos privados são extremamente cautelosos em suas relações com o governo, o legislativo e o judiciário. Têm seus motivos: o sistema financeiro é muito regulado, o que significa funcionar sob um emaranhado de leis e normas. É custoso, algo que precisa ser negociado o tempo todo. Um artigo numa lei qualquer pode significar prejuízo direto. Ou lucro, claro.

 Além disso, banco é objeto do ódio universal. Uma instituição que paga 10 quando você aplica e cobra 30 quando você toma emprestado, não pode pretender ser amada pelo público.

São infinitas as frases que exprimem esse sentimento. “O que é pior, roubar um bando ou fundar um?” – que aparece em diversas versões. O celebrado economista John Kenneth Galbraith também entrou no assunto: “A maneira como os bancos ganham dinheiro é tão simples que é repugnante”.

Politicamente, é um escândalo: de um lado, o pobre devedor, de outro, o banqueirão. Resultado: leis que dificultam a cobrança de dívidas e sistemático aumento de impostos sobre o pacaminoso lucro financeiro.

Populismo, claro. Quanto mais complexa a concessão do crédito, quanto mais difícil a cobrança e quanto maior o imposto, maior a taxa de juro. Lógico: a taxa de juro é a medida do risco de não receber.

Algum político topa isso? Não.

E mesmo nós, jornalistas, temos que tratar do assunto com o máximo de cuidado. Trata-se de um difícil equilíbrio, quase impossível: colocar a lógica econômica sem provocar a ira dos leitores.

Tudo considerado, é muito significativa a decisão dos três maiores bancos privados brasileiros de não conceder crédito consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil. Até podem alegar questões técnicas – como dar empréstimo tendo como garantia uma renda provisória? – mas a decisão tem claro conteúdo ético e político.

Político, porque desafia uma jogada, populista, do presidente Bolsonaro – a de oferecer dinheiro aparentemente fácil a pessoas vulneráveis, que estão precisando e não têm educação financeira.

Pequenos bancos, financeiras, correspondentes bancários já estão correndo atrás dos beneficiários do auxílio e oferecendo dinheiro na mão por juros de 80% ao ano – valor que, claro, não é mencionado. Nesse caso, o juro tem que ser muito caro mesmo, pois o banco precisa recuperar seu dinheiro rapidamente, em poucos meses, pois não sabe se o benefício será ou não mantido. Por isso, aliás, não se fixou teto para a taxa de juros.

Vamos falar francamente: um negócio sujo, sórdido.

Caindo fora, os grandes bancos dizem não ao presidente Bolsonaro e prestam satisfações aos seus acionistas, clientes e o público em geral. Não podem se associar a uma operação descaradamente eleitoreira, do pior tipo. Tentar comprar o voto dos pobres, dane-se o que vai acontecer com eles mais à frente.

Outra questão agora é o comportamento das duas grandes instituições públicas: o Banco do Brasil e a Caixa. Serão obrigados a entrar? Provável. O que o BB dirá a seus acionistas privados?

A negativa dos grandes bancos privados não é movimento isolado. Junta-se às manifestações pela democracia preparadas pela sociedade civil, pessoas físicas e jurídicas. Mais de 700 mil indivíduos já asinaram a Carta pelo Estado de Direito que será lida dia 11 de agosto. E a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp, lidera um manifesto de associações empresariais, incluindo a dos bancos, e centrais sindicais,  com o mesmo teor.

O grande capital industrial, comercial e financeiro se posiciona abertamente pela democracia, contra as ameaças de golpe. Bolsonaro não pode mais dizer que se trata de uma cartinha de comunistas.

Lembrei de uma frase de Jô Soares: “ se o comunismo acabar, quem é que vai levar a culpa?”

Satanás, quem sabe?

Enfim, a semana foi boa: a sociedade civil de novo mobilizada pela democracia. Ao mesmo tempo, é triste. Tantas décadas depois da queda da ditadura, ainda tem quem a queira de volta. Pior: há ameaças à democracia no mundo todo.

A vigilância tem mesmo que ser permanente.

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