PANO RÁPIDO

O milagre das teles: em poucos dias, planos de investimentos de R$ 20 bilhões. Mais, a soja inventada e a agenda perdida
Quer dizer que em menos de uma semana, Oi, Claro e TIM prepararam planos de investimentos de R$ 20 bilhões, para imediata execução? E que, em dois ou três dias, os técnicos da Anatel aprovaram tudo depois de uma análise detalhada e criteriosa?
Um espetáculo de eficiência, não é mesmo? Reparem: não são planos simples. Envolvem desde a instalação de centenas de antenas até a colocação de um cabo submarino Rio-Miami (projeto da Claro). E, claro, melhorias no call center.
Tudo resolvido, a Anatel liberou a venda de novas linhas de celulares, que havia proibido para punir as empresas por falhas no atendimento. Em tempo para que as companhias fizessem suas promoções de Dia dos Pais.
A Anatel canta vitória. Deu uma lição nas teles e garantiu, daqui em diante, bom atendimento ao consumidor. As companhias também cantam vitória. Afinal, foram capazes de entregar os planos em poucos dias.
O governo da presidente Dilma também celebra. Dar um pau nas teles rende talvez mais ibope do que atacar os bancos.
Pano rápido. Fecham-se as cortinas e termina o teatro.
Alguém poderia perguntar: bom, se era assim, por que não fizeram antes? Por que a Anatel deixou a situação piorar para só depois cobrar os investimentos?
E os atores responderiam: quanta má vontade!
Mas se os espectadores querem uma dica do que se passa de verdade nos bastidores, aí vai: o grande problema para a ampliação do número de antenas ? as legislações absurdas e contraditórias que regulam a construção de torres ? continua sem solução. Parece que o governo está estudando meios de simplificar a coisa, talvez com um projeto de lei ou uma medida provisória.
Demora um pouco mais porque, como qualquer um sabe, isso é muito mais difícil do que preparar, analisar, aprovar e executar planos de R$ 20 bilhões.
Puro conhecimento
Foi em Cuiabá, no 6º. Congresso Brasileiro de Soja: cientistas apresentaram nada menos que 423 trabalhos. E notem que o Brasil já alcançou a maior produção mundial (80 milhões de toneladas) e a maior produtividade, 2,9 toneladas por hectare, igual à dos Estados Unidos, que era muito superior 20 anos atrás.
Esse êxito dependeu, digamos, 10% da natureza e 90% da ciência e tecnologia. Pode-se dizer, sem medo de errar, que a soja brasileira é inventada. E brota em solo corrigido. Ou se quiserem, em terras igualmente inventadas.
A cultura da soja traz consigo a indústria química, de máquinas, tratores e equipamentos eletrônicos, já que não se planta nem se colhe nada sem tecnologia e sem GPS, por exemplo.
A soja traz a indústria de alimentos. Sem contar o óleo, é a principal ração de frangos e suínos, setores nos quais o Brasil também se torna grande produtor global. Acrescente aí o biodiesel e as técnicas de integração lavoura, floresta e pecuária ? e estamos no campo da sustentabilidade.
E ainda dizem que o Brasil não pode ser apenas um produtor e exportador de alimentos. Precisa de produtos com mais valor agregado, mais tecnologia e tal. Só que, para esse pessoal, parece que tecnologia e valor agregado se obtém com uma ?boa entrada? nos gabinetes de Brasília. (Este texto é baseado em coluna de José Roberto Mendonça de Barros, que sacou a importância do agronegócio quando nem o pop sertanejo estava na moda).
Agenda perdida
Lembram-se da agenda perdida? Assim foi chamada uma pauta de reformas microeconômicas, com duplo objetivo: conter e dar mais eficiência ao gasto público e melhorar o ambiente de negócio para o empreendimento privado.
No primeiro governo Lula, se fez muita coisa nessa direção. Depois, a agenda foi perdida de novo.
Não é que a presidente Dilma está retomando alguns pontos importantes? É o que revela reportagem de Claudia Safatle, Edna Simão e João Villaverde no Valor Econômico de sexta passada.
Há duas reformas essenciais: da Previdência, para introduzir a idade mínima de aposentadoria, que FHC tentou e não conseguiu, e reduzir benefícios de pensão por morte e a trabalhista, esta baseada em uma tese tão repetida pelo professor José Pastore (o negociado entre empresas e trabalhadores se sobrepõe ao legislado). A primeira reforma ataca o déficit das contas públicas. A segunda deve reduzir de maneira dramática o custo trabalhista. As duas têm de ser negociadas no Congresso.
Depois vem o programa para reduzir custos de investimentos, incluindo os burocráticos. Há várias reduções de impostos em estudos, especialmente para a energia elétrica. E mais desoneração da folha de pagamentos, ou seja, a eliminação da contribuição patronal sobre os salários.
E mais o programa de privatização, digo, concessão de rodovias, portos, aeroportos e ferrovias ? o que depende apenas do governo federal e deve ser o primeiro a sair do forno.
A ver. A agenda é boa. O país não merecia que continuasse perdida. A questão é a capacidade do governo de implementá-la.
Há obstáculos na burocracia e na política. Nesta, por exemplo, inclui-se a ampla demanda do funcionalismo público por reajustes salariais. Como combinar isso com as propostas de redução de impostos? Carga tributária menor depende de gasto público menor ? o que parece ser muito difícil para este governo. Este é o maior problema.

Publicado em O Estado de S. Paulo, 06 de agosto de 2012

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