Palocci x Dilma

. Lula vai para o córner       
Na hipótese mais benigna, a divergência entre Antonio Palocci e Dilma Rousseff é de R$ 15 bilhões –  valor equivalente ao excesso de superávit primário feito até setembro. A ministra e, parece, todos os seus colegas de governo exceto Paulo Bernardo, do Planejamento, querem torrar rapidamente essa sobra. Palocci e seu solitário aliado pretendem ser mais prudentes, entendendo que o dinheiro não está propriamente sobrando, sendo mais o efeito de uma arrecadação excepcional.   
  Quinze bilhões de reais é dinheiro (mais ou menos 0,8% do Produto Interno Bruto, PIB), mas não justificaria uma briga terminal entre ministros. Haveria espaço para acordo. A meta do superávit primário (a economia feita pelo governo nas despesas correntes e de investimento para pagar juros) é de 4,25% do PIB para o ano todo. Nos doze meses até setembro, bateu em 5,1% – a diferença dando aqueles R$ 15 bilhões.     
O presidente Lula disse, na entrevista de sexta-feira, que o governo vai fazer os 4,25%. Especialistas em contas públicas dizem que os gastos sempre aumentam no final do ano, mas, neste caso, não no volume necessário para torrar todos os 15 bilhões. Tudo considerado, haverá mais gastos agora e o superávit será um pouco acima da meta. Como esse número será conhecido apenas em fevereiro ou março de 2006, haveria tempo para se acalmar a disputa dentro do governo ? se o caso fosse apenas esse, o que fazer com o excesso de arrecadação.     
Não é. Na mesma entrevista de sexta, Lula disse: ?tenho certeza que vamos consertar para melhor a política econômica?. E explicou que o conserto será resultante do embate Palocci X Dilma. Ou seja, a divergência é bem maior e deve ceifar cabeças, pois o ministro Palocci disse no depoimento no Senado que só permanece no governo se for para fazer a sua e atual política econômica.     
E se Palocci cair, vão junto o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e sua diretoria. Pois embora o barulho se faça em torno do tamanho do superávit primário, a variável imediata de mudança de política econômica está na taxa básica de juros.     
Não é fácil investir. É preciso ter bons projetos, combinar com governos estaduais e prefeituras, superar a cada vez mais difícil etapa de obtenção das licenças ambientais. Nisso tudo, o atual governo tem revelado incompetência adicional. Mesmo projetos que já têm dinheiro liberado não andam.     
Isso, aliás, dá razão a Palocci. A rigor, não se pode dizer que o governo não anda por falta de dinheiro, ou que o arrocho deste ano é maior que o de períodos anteriores. Relatório do Tesouro Nacional, mostra que, até setembro, a despesa total do governo, incluindo custeio e investimento, foi equivalente a 16,81% do PIB, contra 16,15% no mesmo período de 2004.     
A arrecadação teve alta expressiva e a Fazenda distribuiu esse ganho transferindo um pouco mais para Estados e municípios, gastando mais e fazendo um superávit primário um pouco maior.     
Nesse quesito das contas públicas, o que o governo pode fazer de imediato é anunciar propósitos. Por exemplo, informar que o superávit do ano que vem será reduzido para 3%. E aqui entra a taxa de juros.     
A meta de 4,25% para o primário não sai do nada. É considerado o nível necessário para, primeiro, impedir o crescimento da dívida pública líquida (hoje em torno de 51% do PIB) e, depois, obter uma lenta redução. Ora, se reduzido o primário, haverá menos dinheiro para pagar juros. Assim, o governo precisará tomar mais empréstimo para pagar juros. A dívida aumenta ? sendo que esse critério, dívida/PIB, é variável chave para avaliação da solvência e do risco de um país.     
Se o mercado percebe que essa relação está piorando, imediatamente eleva os juros a serem cobrados do governo, o que prejudica ainda mais a rolagem dos compromissos e o próprio crescimento econômico.     
Mas se o BC reduzir a taxa básica de juros, estará também reduzindo a despesa financeira do governo, abrindo espaço para a redução do superávit primário. Sem contar que, com juros menores, haverá mais crescimento econômico, com mais investimentos e consumo privados.     
Eis onde a ministra quer chegar. E eis o ponto central da divergência: para ela, os juros altos são a causa maior do desarranjo das contas públicas. Juros altos incidindo sobre a despesa pública exigem superávit primário maior. Para a Fazenda, os juros altos são consequência do desarranjo das contas públicas, de uma dívida elevada que resultou de longo período de irresponsabilidade fiscal.     
Para a tese exposta pela ministra Dilma, a solução começa com a queda dos juros e segue com alta do dólar, redução do superávit e aumento do gasto público, dando numa rápida retomada do crescimento.     
Para a tese desenvolvida por Palocci, a solução começa com um plano de longo prazo de redução do gasto público com custeio e com Previdência, sendo esta a condição para a queda consistente dos juros. Daí viria a redução da carga tributária e um crescimento mais lento, mas firme e sem inflação.     
Para a ministra, a política de Palocci não gera crescimento. Para o ministro, a tese de Dilma gera inflação, desequilíbrio fiscal e, ao final, recessão.     
A proposta Dilma pode dar em crescimento imediato. A de Palocci exige um paciente trabalho de reformas no setor público e na microeconomia, de modo a abrir espaço para investimentos públicos e privados.     
Dilma apresenta a Lula um canto de sereia: juros menores, governo gastando, sobra para o salário mínimo, crescimento.     
Palocci diz que o simples anúncio de um plano de ajuste de contas públicas, com a meta de reduzir a dívida para 40% do PIB, já produz efeitos positivos no ambiente econômico. É claro, porém, que se trata de caminho mais difícil. Seu argumento mais forte no curto prazo é um alerta: a ressaca do encanto da sereia é a volta da inflação, no que tem razão.     
A opção pela mudança é tentadora para Lula, mas assustadora. E se topar com uma inflação em alta no período eleitoral? Campanha óbvia dos tucanos: o PT rouba e faz inflação.      
Por outro lado, se mantiver a atual política, mas sem conseguir avançar nas reformas, entra na eleição com crescimento baixo, investimentos contidos, salário mínimo alvo de fogo amigo. Campanha dos tucanos: o PT rouba e não faz mais nada.     
Por isso, é possível que Lula, indeciso, deixe por isso mesmo, com o desgaste de um embate sem conclusão. Mas foi ele mesmo que se meteu nisso. Publicado em O Estado de S.Paulo, 21/novembro/2005     
      
              
          

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