TOMAR DECISÕES É FÁCIL, DIFÍCIL É GOVERNAR

. Uns governam, outros anunciam planos Funcionando mesmo no governo Lula, há duas áreas: a econômica, sob a liderança do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e a política, sob o comando do ministro da Casa Civil, José Dirceu. Por funcionar deve-se entender apresentar resultados concretos, exercer o governo. Não há dúvida quanto aos resultados do time de Palocci. Têm aparecido restrições em relação ao comportamento de Dirceu, especialmente no que se refere ao seu suposto autoritarismo ou a uma também suposta falta de ética quando coopta parlamentares eleitos pela oposição. Mas se o critério é eficiência política, então Dirceu executa seu serviço principal, que é dar ao governo uma consistente base de apoio parlamentar. É verdade que ainda falta o teste principal, a votação das polêmicas reformas, mas até aqui Dirceu vem obtendo vitórias no Congresso e ampliando o número de parlamentares fechados com o governo Lula. E apesar do barulho dos radicais do PT e de outros da base aliada, o ministro tem conseguido administrar seu pessoal. Há ministros que estão na promessa. É o caso de Dilma Roussef, de Minas e Energia, que promete para daqui a duas semanas o crucial novo modelo do setor elétrico. Luís Furlan, do Desenvolvimento, promete também para breve a nova política industrial e de apoio às exportações. Roberto Rodrigues, da Agricultura, tem alguns importantes assuntos encaminhados mas enfrenta muitas disputas com outros setores do governo, mais alinhados com as correntes históricas do PT. A batalha dos transgênicos, em especial, e do apoio à biotecnologia em geral, constituem dois exemplos importantes. Rodrigues, assim como agronegócio, é amplamente a favor das duas coisas, mas ainda não levou nada. Também não perdeu, é verdade, mas o risco aqui é a forte possibilidade desses assuntos ficarem paralisados por falta de alguma autoridade – que só pode ser o presidente – para desempatar o jogo entre os novos e os antigos membros do time de Lula. O presidente alardeia os resultados de sua política externa, que considera históricos. Mas o que aconteceu de verdade além das promessas e manifestações de intenções? O Mercosul continua por reconstruir, não há movimentos de entrada de nenhum novo país, as negociações comerciais com a União Européia não exibem qualquer avanço significativo e, no caso da Alca, ainda não se sabe se o governo Lula vai melar as negociações, como seria o desejo do Itamaraty, ou topa concluí-las em 2005, como constou da declaração conjunta Lula/Bush. O ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, foi uma surpresa positiva. Apresentou um projeto de reforma completo e tem revelado muita firmeza – coragem mesmo – no encaminhamento político da proposta. Ainda não ganhou nada, mas suas chances são claramente positivas neste momento em que a tramitação da reforma se aproxima dos momentos decisivos. Tirante isso, o que se encontra é incapacidade de governar e/ou de fazer trapalhadas, como aquelas dos ministros que, em vez de tocar o serviço, passam o tempo todo criticando o passado e anunciando belas intenções. A política de segurança se arrasta. O presídio federal de segurança máxima, que ia ser construído em três meses, continua na promessa. Ainda há dúvidas no governo sobre uma legislação mais dura contra o crime organizado. O setor de saneamento, que seria crucial para o tal espetáculo do crescimento, não se sabe a cargo de quem está. Está certo que não é fácil. É preciso definir a titularidade dos serviços – isto é, saber se água e esgotos são municipais, estaduais ou federais ou tudo misturado – depois montar a regra de concessão, arranjar recursos para investimento e decidir quem vai fazer esses investimentos, se o setor público – para o que seria preciso rever as regras de endividamento público, o que passa pela área econômica e pelo FMI – ou o setor privado, caso em que o marco regulatório deveria ser firme o suficiente para dar segurança às companhias interessadas. O assunto, como se vê, exige uma complicada operação intragoverno. Mas quem manda nisso na administração? Quem coordena? Não faltam reclamações, contra a falta de modelo herdada, contra a privatização, contra o FMI que coloca todos os investimentos públicos como despesa e não manifesta intenção de mudar esse ponto de vista. Não é o caso aqui de discutir o mérito de cada caminho, se o do investimento público ou privado, mas de mostrar que simplesmente não há modelo e não se vê onde e quem está encaminhando algo concreto nesse setor. No caso da energia, também crucial para o desenvolvimento futuro e para a imediata recuperação do nível de atividade econômica, pelo menos se tem a promessa e as movimentações da ministra Roussef. No caso do saneamento, nem isso. O que há de comum entre os dois ministros, Palocci e Dirceu, que exibem resultados? Ambos perceberam que aquela conversa de oposição – para governar para o povo bastaria ter vontade política, ser honesto e não ser neoliberal – era aquilo mesmo, conversa de oposição. Despiram-se de dogmas, ideologias pré-concebidas, entenderam o peso da realidade econômica e política e aprenderam rapidamente a administrar. Todos os que, ao contrário, continuam montados nos dogmas de campanha não conseguem governar, nem entendem bem o que se passa. Palocci e Dirceu têm sido a salvação do governo Lula. Mas isso tem um limite. Até quando o ministro da Fazenda conseguirá entregar boas notícias? Porque se o resto do governo não andar, a política econômica no sentido estrito fica sobrecarregada. Por exemplo, não adianta baixar os juros para a retomada dos investimentos em infraestrutura. Isso depende da definição dos modelos e das regras. Quanto a Dirceu, também passa por um teste crucial, que é o encaminhamento das reformas, sobretudo da Previdência. E também está sobrecarregado. Uma hora esses dois cansam, começam a errar passes, perdem gols. O resto do time faz falta. Publicado em O Estado de S.Paulo, 14/07/2003

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