PACOTE ARGENTINO – eles e nós

. O equilíbrio das contas públicas é essencial qualquer que seja o regime econômico O equilíbrio das contas públicas é essencial qualquer que seja o regime econômico. Você lê no noticiário que a Argentina precisa ajustar suas contas para defender o sistema de câmbio fixo 1 peso igual a 1 dólar. Já o Brasil, tendo um sistema de câmbio flutuante, não tem cotação do dólar a defender, mas precisa ajustar suas contas para reduzir a inflação. Aliás, inflação que rigorosamente não existe na Argentina: no ano passado, os preços caíram 1%.
Portanto, melhor esquecer as justificativas. As contas públicas têm de estar equilibradas e ponto final. Isso é particularmente importante para países com dívida pública elevada, como é caso de Argentina (dívida equivalente a 53% do Produto Interno Bruto) e Brasil (47% do PIB).
O setor público precisa então fazer um superávit primário (veja o que é na seção Entenda Economia), para ter um saldo com o qual pagar juros e reduzir paulatinamente a dívida.
O Brasil desde o ano passado bem mantendo superávit primário acima de 3% do PIB ? que é um enorme esforço ? baseado em corte de gastos (modesto) e aumento de impostos (pesado).
Na Argentina, o governo Fernando de la Rúa estreou no final de 1999 com um pacotazo de corte de gastos e brutal aumento de impostos. Como costuma ocorrer, o corte de gastos primários previsto já para o primeiro trimestre deste ano, US$ 1,4 bilhão, não se materializou. Ao contrário, os gastos aumentaram US$ 34 milhões.
Daí as desconfianças que surgiram em relação ao cumprimento de metas (sim, a Argentina também está amarrada a acordos com o FMI, até há mais tempo que o Brasil). E daí o segundo pacotazo, o desta semana, desta vez centrado em corte de gastos ? e corte na veia, com redução nominal de salários e aposentadorias.
A lei
Do ponto de vista da lógica econômica, faz sentido. Economistas ligados ao ex-ministro e hoje deputado Domingo Cavallo criticaram o pacote, dizendo que redução de salários é injusto e possivelmente ilegal. E recomendaram sabe o quê? Demissão de funcionários, maciça. Deram um exemplo: o Banco Central tem 2 mil funcionários e pode funcionar com 500; logo, o certo não é reduzir os salários dos dois mil, mas demitir 1,500 e até melhorar o salário dos que ficam.
A diferença é de estratégia política e jurídica. Do ponto de vista da lógica econômica, dá no mesmo: reduz o gasto público de um modo ou de outro.
Mas em qualquer caso, há dificuldades políticas e jurídicas.
O ex-presidente Carlos Menen tentou, em um de seus pacotes, reduzir salários do funcionalismo em 5%. A Suprema Corte derrubou.
Dizem que agora o presidente De La Rua cercou-se de garantias de jurídicas para aplicar corte de 12% no salário do servidor que ganha de US$ 1.000 a US$ 6.000 e de 15% acima disso. É o ponto forte do pacote: uma economia de quase US$ 600 milhões, num corte global de US$ 980 milhões.
Não por acaso, os juizes foram os únicos funcionários públicos excluídos do corte salarial. Como em todo país civilizado, também na Argentina os juizes têm as prerrogativas da inamovibilidade e irredutibilidade de salários.
Só que interpretações anteriores diziam que os salários em geral não podem ser assim reduzidos por lei. No Brasil, por exemplo, a chance de um pacote desses seria zero.
Pode-se argumentar que não dar reajuste depois de um período de inflação, como ocorre aqui no Brasil, é um modo de reduzir salários reais. Pode-se dizer ainda que na Argentina não tem inflação há dez anos e que, além disso, em diversos momentos houve queda de preços e, pois, aumento de salário real.
Ainda assim, uma redução de 12% direto ali no contracheque é medida muito dura. Reduções ou ganhos reais, em consequência da evolução dos preços, não são visíveis a olho nu. O contracheque é escandaloso.
Em resumo, o caso argentino vai aos tribunais. Mas antes vai às ruas.
Política
O governo De La Rua é uma frente, a Aliança, formada com a UDR ? União Cívica Radical ? e a Frepaso, esta uma frente de grupos de esquerda. A UDR pode ser classificada como de centro-esquerda. Seria equivalente à melhor porção do PMDB brasileiro, a seção gaúcha, por exemplo, junto com amplas partes do PSDB.
Obviamente, é difícil para uma associação assim patrocinar um duro corte de salários de servidores e de aposentadorias.
Por isso, aliás, o pacote demorou a sair. De La Rua teve de convencer seu pessoal à esquerda. Aliás, a equipe econômica queria cortar salários a partir de US$ 600. Os políticos conseguiram salvar o pessoal que ganha até US$ 1.000.
Mas foi pouco. No geral, líderes da Frepaso evitaram declarações formais, mas deixaram claro que não estavam gostando.
Virão agora os protestos de funcionários e seus sindicatos. Como vai se portar a Aliança?
A crise
O resumo dessa história é que a situação argentina é bastante grave. E o pior é que eles lá não tem muita coisa a fazer senão isso mesmo, cortar gasto público.
A Argentina depende de financiamento externo para fechar suas contas. Com a alta dos juros americanos e, pois do mercado internacional, esse financiamento ficou mais caro. E especialmente para a Argentina, por causa do regime de câmbio fixo. Por lei, para dar consistência à moeda local, para cada peso em circulação, o Banco Central argentino precisa ter um dólar nas reservas.
Assim, se o governo aumenta os gastos em pesos, precisa ou tomar mais pesos dos cidadãos via impostos, o que já fez, ou tomar dólares emprestados, que ficaram mais caros e elevaram a despesa financeira do governo e das empresas. Resultado: a redução de despesas em pesos é a única saída. E é dureza: recessão, desemprego etc.
A cavalaria americana
Nesse quadro, a melhor esperança para Argentina está no resgate da cavalaria americana. Ou seja, se o Federal Reserve, Fed, o banco central americano, interromper ou ao menos amenizar a política de alta de juros.
E o Fed fará isso se a economia americana mostrar sinais de desaceleração, isto é, se o consumidor gastar menos e as empresas investirem menos.
Desacelerada a economia americana, cessada a turbulência internacional, os juros internacionais se estabilizam, não importa que seja num patamar superior. O importante é a expectativa de estabilidade.
E, acredite, há sinais de desaceleração nos Estados Unidos.
Argentinos devem erguer as mãos aos céus para isso. Brasileiros também, pelos argentinos, que os precisamos bem, porque são nossos principais fregueses, e por nós mesmos, que o Brasil também depende de financiamentos externos.

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