O SOCIAL E O FMI

. O social, quem diria, vai para o FMI A reforma agrária, quem diria, ainda vai acabar no FMI. Foi o que se disse em Brasília na semana passada: o governo Lula pretende incluir metas sociais em um eventual novo acordo com o FMI, como, por exemplo, números de famílias sem terra assentadas. Os burocratas lá de Washington talvez estranhem, mas – querem saber? – desconfio que a direção do Fundo Monetário Internacional vai adorar a idéia. Não que faça diferença. Acordo com o FMI é um empréstimo concedido pela instituição a um país que esteja em dificuldades para cumprir seus pagamentos externos. O Fundo é emprestador de última instância, que socorre um país quando este não tem mais crédito no mercado privado ou só o consegue a juros proibitivos. Caso do Brasil em meados do ano passado. Para conceder o empréstimo, o FMI, como qualquer banco, exige garantias do devedor. O que um país pode oferecer? Uma empresa ou uma pessoa dá ativos, máquinas, uma casa. Em tese, portanto, o Brasil poderia oferecer em garantia um baita terreno, a Amazônia, por exemplo. Não funciona, é claro. Nem mesmo o governo Lula reuniria condições políticas para tal negócio, nem é certo que o FMI aceitasse, pois teria que levar a Amazônia com porteira fechada, incluindo Jader Barbalho. Tudo considerado, os países só podem oferecer ao FMI um programa econômico, cujo cumprimento supostamente deixará as finanças do devedor em ordem, sendo ele capaz de pagar suas dívidas. Por isso, dois pontos são os mais importantes nesses acordos: a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (que mede o tamanho da dívida) e o superávit primário (que mede a capacidade do governo de fazer economia para pagar os empréstimos). O resto é acessório. Privatizações, por exemplo. Quando isso aparece no programa é porque a estatal é uma fonte de prejuízos e/ou sua venda faz caixa para o governo. A discussão sobre as vantagens do público e do privado, a rigor, não interessa ao Fundo. É uma decisão política de cada país. Se um governo quiser estatizar tudo, mesmo assim mantendo as finanças nacionais em ordem, estando em dia com seus compromissos internacionais, não há problema algum. Em resumo, não interessa ao FMI como o governo arrecada e gasta seu dinheiro. Interessa apenas que mantenha suas condições de solvência interna e externa, o que é medido pela relação dívida/PIB e pelo tamanho do superávit primário. Portanto, não faz diferença alguma colocar ou não no acordo as metas de reforma agrária ou do Fome Zero. Por que, então, o governo Lula pensaria em inclui-las e o FMI, em aceitá-las? Marketing, dos dois lados. O governo Lula poderia apresentar o programa como um “acordo do PT”. O FMI, sempre acusado de deixar seus clientes na miséria, poderia exibir ao mundo sua nova face social. Imaginem as fotos das novas missões do FMI. Em vez daquela fileira de burocratas de terno ou tailleur escuro e pasta preta na porta do Banco Central, homens e mulheres de tênis e camiseta conversando com famílias assentadas, experimentando um feijão da reforma agrária. (É capaz do FMI mandar colocar uma estátua de Lula naquele imenso saguão central da sede em Washington). Também se diz que o governo pretende incluir regras mais flexíveis para num eventual novo acordo. Do ponto de vista do FMI, investimento sempre entra como despesa na conta do superávit primário. Assim, se a estatal Itaipu faz um lucro de R$ 1 bilhão e envia isso para o caixa do Tesouro, é superávit. Se reinveste, é gasto contabilizado no ano em que é feito. Essa regra é antiga e se baseia no longo histórico das estatais não apenas no Brasil mas em toda a América Latina. Usadas politicamente para empregar correligionários e investir em troca por votos, as estatais cavavam dívidas enormes, sempre transferidas para o governo central. Por isso, o FMI passou a recomendar privatizações, para cortar o mal pela raiz. Mas se o governo é sério e se o investimento da estatal (Petrobrás, por exemplo) é feito com recursos próprios e vai gerar lucros lá na frente, então isso favorece o equilíbrio das finanças públicas a médio prazo. Do mesmo modo, um investimento em infraestrutura: se o governo instala um metrô, cobra tarifas e recupera o dinheiro aplicado, qual o problema? Essa discussão não é nova. O governo FHC e muitos outros países já a introduziram e pode-se dizer que está bastante madura. O Fundo hoje está mais disposto a aceitar a nova tese e, sobretudo, a confiar na seriedade do governo brasileiro. Primeiro, porque desde 1998 vêm sendo obtidos substanciais superávits primários. Depois, porque o governo Lula não apenas manteve a prática como, por sua exclusiva iniciativa, aumentou a meta de superávit para 4,25% do PIB para os próximos quatro anos. Considerando que essa meta é suficiente para estabilizar e depois reduzir a relação dívida pública/PIB, tudo o mais que possa constar em um novo programa com o FMI é perfumaria. Na verdade, nem precisaria de acordo, pois o país não tem problemas de financiamento externo neste momento. Por que então o governo Lula cogita de um novo acerto? Três motivos: Por segurança externa: vai que ocorra uma nova crise internacional (Osama Bin Laden acerta mais uma torre) e sequem as fontes de financiamento? Se o dinheiro do Fundo estiver ali disponível, tudo fica mais fácil. Sabendo disso, os investidores externos também ficam mais tranquilos. Blindagem interna da equipe econômica: todos os ministros querem gastar mais. O ministro Palocci diz não o tempo todo. Fica mais fácil se ele puder dizer: até gostaria, mas, sabe como é, tem esse acordo com o FMI . .. Marketing: estão vendo como o governo do PT negocia melhor os interesses nacionais? Ou, lá de Washington, estão vendo como o FMI já faz o social? Publicado em O Estado de S.Paulo, 15/09/2003

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