A sorte está mudando —
Depois que o presidente Lula concordou em manter as bases da política econômica herdada de FHC ? metas de inflação com BC independente, superávit primário para pagar juros e câmbio flutuante ? não precisou fazer mais nada. O mundo engrenou um extraordinário período de crescimento, com uma demanda global crescente por produtos que o Brasil tinha para exportar. Exportações trouxeram dólares abundantes, que se somaram aos investimentos externos, tudo levando à valorização do real, derrubada da inflação e acumulação de reservas, matando vários problemas de uma vez só. Chuvas generosas completaram o serviço. Encheram os reservatórios das usinas e garantiram a energia elétrica necessária para a expansão interna. Com equilíbrio macroeconômico e recuperação do crescimento, o país surfou na onda mundial, um pouco atrás dos campeões, mas sempre ali. Inclusive alcançou os que já haviam recebido grau de investimento.
Agora, porém, a situação está mudando. O mundo está se tornando hostil. Embora o pior da crise financeira nos EUA e Europa tenha passado, as consequências ainda estão em andamento, especialmente a forte desaceleração nos Estados Unidos. Enquanto isso, países emergentes que têm puxado o crescimento mundial, como a China em particular, sofrem com o problema contrário: inflação elevada, resultado de economias superaquecidas (excesso de demanda).
Alguns analistas sustentam que se trata de inflação, digamos, localizada, concentrada em petróleo, energia em geral e alimentos. Mas na medida em que isso aparece em economias aquecidas, a alta de preços se espalha.
Tudo considerado, ou por causa da crise financeira ou por caso da inflação, o mundo já está desacelerando.
Essa situação se repete por aqui. O país não está à beira da crise, mesmo porque os fundamentos macroeconômicos construídos ? eliminação da inflação, fim da vulnerabilidade externa e controle das contas públicas – permitem suportar os choques.
Mas agora está na hora de fazer alguma coisa. Há muitos fatores a administrar, a começar pela inflação em alta, certamente a principal questão. Mas é preciso lidar, por exemplo, com o fortíssimo aumento das importações e a volta do déficit nas contas externas.
Tudo bem? Não precisa fazer nada? Vamos, ao contrário, aumentar ainda mais as importações para compensar a falta de produção doméstica e assim manter a inflação baixa? Ou está na hora de conter as compras externas, mesmo com algun dano para a inflação?
As exportações já estão em desaceleração no que refere às vendas físicas. Isso ainda não aparece porque os preços ? ainda ? em alta garantem fauramento ? ainda ? elevado. Mas se a economia mundial está desacelerando, como isso vai ficar? De novo, tudo bem? Deixa assim mesmo ou há algo por fazer?
Por outro lado, o forte crescimento dos últimos meses mostrou, de novo, as enormes carências de infra-estrutura. Mais do que isso, mostrou como o país continua atrasado na escolha de caminhos e tomada de decisões.
Exemplos?
A região de Ribeirão Preto é a capital mundial da cana de açúcar e do etanol. Ali temos as plantações, as usinas de açúcar e álcool, as indústrias de base que fabricam equipamentos para as refinarias e agora está se iniciando a produção de energia elétrica a partir do bagaço da cana, também com máquinas produzidas ali mesmo.
Há um enorme movimento de produtos e pessoas, do Brasil e do mundo todo. E onde está o necessário aeroporto?
Não está. Há um projeto enrolado há anos e um aeroporto que parece uma rodoviária de quinta categoria, com todo respeito pelas rodoviárias.
Tudo considerado, não se trata mais de apenas surfar na onda mundial. E o que faz o governo? Uma confusão danada.
Na verdade, o Banco Central está agindo. Identificou uma inflação em alta, por excesso de demanda, e está elevando os juros.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, não se conforma com isso. Jura que não há inflação, apenas uma alta de preços de alimentos. Assim, diz ele, aumentar os juros é ameaçar o mercado interno, que deveria ser sustentado.
Por isso, Mantega acha que não é necessário cortar os gastos do governo, que seria um complemento lógico da política de juros do BC. Ao contrário, segue aumentando os gastos.
No momento em que o mundo torna-se mais perigoso e em que a situação interna exige variações de política econômica, o governo Lula se perde em confusões e incompetências internas.
O Banco Central mantém sua linha de coerência, mas sua tarefa ? debelar a inflação ? fica mais difícil se não tem o suporte do resto do governo.
A estabilidade macroeconômica continua de pé. Estamos discutindo se a inflação é de 4,5% ou 5% ao ano, coisa de país estável, grande avanço. Mas isso posto, há muito a fazer no conjunto da economia, além da propaganda do PAC e dessas coisas como o tal fundo soberano.
Falando em inflação
Se você tirar alimentos, a inflação medida pelo IPCA cai à metade, diz o ministro Mantega. Mas se você tirar os ?não-alimentos?, a inflação também cai pela metade, não é mesmo?
Qundo se começa a tirar isto e aquilo para melhorar o índice, o sinal é o contrário: a inflação se espalhou.
O IBGE relacionou 15 itens que responderam por uma inflação de 1,35% no período janeiro/abril, portanto a maior parte do índice cheio, de 2,04%.
Tem alimentos: pão francês, tomate, óleo de soja, frutas, cebola, leite pausterizado e feijão preto.
Tem serviços: mensalidades de colégio, taxas de ?cursos diversos?.
Tem itens com preços controlados pelo governo: remédios, planos de saúde e tarifas de ônibus urbano.
E tem mais: salário de empregada doméstica e refeição fora de casa.
Resumo da ópera: escolha seu vilão, haverá sempre inflação.
O Banco Central vai subir mais juros.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 12 de maio de 2008