O DEBATE SOBRE OS JUROS E O BC

. Sobre os esperneios oficiais Decisões dos bancos centrais são objeto de debate e controvérsia em qualquer país do mundo. Como diz Roger Ferguson, vice-presidente do Federal Reserve, Fed, o banco central dos EUA, estimativas sobre a taxa de juros de equilíbrio são sempre imprecisas, de modo que não há como obter um “guia prático” de política monetária. Portanto, não haveria nada errado com a intensa discussão em torno das duas últimas decisões do BC brasileiro, que elevaram a taxa básica de juros de 16% para 16,75% ao ano. O problema é que a controvérsia ampliou-se demais. Analistas de diversas linhas políticas e econômicas estão convencidos de que o BC está equivocado. Até a Petrobrás entrou na história ao divulgar uma nota criticando o BC. A confusão começou depois da divulgaçao da ata Comitê de Política Monetária (Copom), o colegiado que, mensalmente, fixa a taxa básica de juros. Disse o Copom que a Petrobrás estava protelando um inevitável reajuste dos combustíveis e que, quanto mais tardasse, mais contaminaria a inflação de 2005, o que exigiria juros elevados. A diretoria da Petrobrás entendeu que o BC estava jogndo em suas costas a culpa pelos juros altos e resolveu protestar. A estatal tinha alguma razão nessa queixa, mas meteu os pés pelas mãos na resposta. Os técnico da empresa não conseguiram demonstrar que os preços internos dos combustívei estão alinhados nem esclareceram se e quando haveria novos aumentos. Como todos os economistas e analistas acham que a Petrobrás realmente está segurando os preços por razões políticas, há expectativa de novos reajustes e, portanto, de mais inflação e juros. Em resumo, o BC levantou uma suspeita que pode até fazer sentido, mas não devia fazê-lo, no mínimo por bom senso político. E os diretores da Petrobrás, afinal colegas de governo do pessoal do BC, deram uma resposta que não explica nada e apenas confirma que a estatal não dá satisfação de seus critérios. Seria uma bela comédia se não estivessem em jogo fatos que afetam o dia a dia de todos os brasileiros. Mas tudo isso foi apenas um lance marginal no intenso debate sobre questões essenciais: será que o BC não estaria levando o chop e o som antes mesmo da festa começar? Em outras palavras, o BC não estaria usando critérios muito conservadores para distinguir farra de, digamos, excessos toleráveis? São essa as maiores dúvidas entre especialistas. O BC se defende argumentndo que a economia brasileira está crescendo, e o ritmo é forte. Por exemplo: montadoras de veículos suspendem férias e folgas de fim de ano; a taxa de desemprego em setembro, medida pelo IBGE, 11,9%, é o ponto mais baixo dos últimos 30 meses; na indústria, o nível de utilização da capacidade instalada chegou a 86,1% em outubro, o maior desde 1977, na sondagem da Fundação Getúlio Vargas; e o crédito concedido pelos bancos a pessoas e empresas continuou em forte expansão em setembro (R$ 263 bilhões, contra R$ 167 bilhões no mesmo mês de 2003). O que querem mais? pergunta o BC. A contestação vem de diversos lados. Primeiro, a economia estaria aquecida, mas não exageradamente. Apenas alguns setores estão a plena capacidade, mas mesmo nesses casos há investimentos em andamento, como também apontou a sondagem do BC. Montadoras, por exemplo, podem vender neste ano 2,2 milhões de veículos, um recorde histórico, mas têm capacidade para mais do que isso. Além disso, muitos analistas notam que o ritmo de crescimento, de fato muito forte até aqui, já está em claro processo de acomodação. Sinais: quedas nas vendas de supermercados, clara desaceleração na expansão do varejo e redução nas vendas de embalagens. E a renda das pessoas, embora com algum ganho, nem de longe recuperou as perdas de 2002 e 2003. Ainda assim, responde o BC, a inflação deste ano, medida pelo IPCA, se encaminha para 7% (contra uma meta de 5,5%). E para o ano que vem, a expectativa do mercado está perto de 6% para uma meta de 5,1% (já esticada pelo BC quando considerou impossível alcançar o ponto original de 4,5%). E como diz a cartilha do regime de metas de inflação, quando as expectativas sobem, juros têm de subir. Ocorre que as metas estão erradas, muito apertadas, sugere um número cada vez maior de economistas, incluindo no grupo Sérgio Werlang, insuspetíssimo por ter sido o introdutor desse regime em 1999, quando diretor do BC. Para Werlang, o BC poderia acomodar uma meta pouco superior a 6% para 2004, o que não causaria dano algum e, ao contrário, permitiria juros menores e, logo, mais crescimento. Eliana Cardoso, da FGV, Carlos Thadeu de Freitas, do Ibmec-Rio, e Delfim Netto estão entre os que recentemente propuseram meta mais larga. Todos notam que boa parte da inflação esperada vem de choques de ofertas (altas internacionais no petróleo e outras comodities) e da indexação de contratos de energia, telefones, etc. – só estes responsáveis por um a inflação de 2,5% no ano que vem. O que juros podem fazer contra isso? A sugestão é outra linha de açao. Eliana Cardoso, por exemplo, acha melhor promover uma forte redução do gasto público se a inflação estiver de fato ameaçando sair de controle. Embora difícil, reduzir gastos está longe de ser tarefa impossível. Basta olhar o desempenho do Executivo neste ano. Até setembro, o governo federal obteve forte aumento de 20% em sua receita líquida, em relação ao ano passado. Só que, no mesmo período, aumentou as despesas em 20%, sendo 34% no item custeio e capital. Poderia não ter gasto, não é mesmo? Em resumo: é tão grande o número de alternativas sugeridas à alta de juros, são tantos os economistas, de diversas tendências, entendendo que o atual BC é excessivamente conservador, que provavelmente não se trata mais de mera choradeira. Revista Exame, edição 830, data de capa 10/novembro/2004

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