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O capital e a democracia

O capital e a democracia

     Carlos Alberto Sardenberg



     Segue aqui um breve histórico das relações entre o capital e a democracia no Brasil.

Nos anos 60, depois da chegada de João Goulart à presidência, a ampla maioria do empresariado (incluindo setores industrial, comercial, agro e financeiro), apoiou o golpe contra a “ameaça comunista”. Sempre foi impossível a instalação de um regime comunista por aqui. Mas no momento da guerra fria, com União Soviética e Cuba financiando partidos pela América Latina, o discurso da ameaça pegava bem.

Depois da instalação dos generais no poder, o capital continuou apoiando a ditadura, mas com variações. Os mais liberais, em clara minoria, logo se decepcionaram. Esperavam um governo de transição e eleições em 1965, entre Lacerda e Kubitschek, não importando qual deles ganhasse. O governo JK havia gerado muitos negócios.

Por outro lado, uma minoria extremada à direita não apenas sempre apoiou a ditadura, como chegou a financiar os órgãos de repressão.

A maioria, no meio, deixou levar. O governo Castello Branco havia feito importantes reformas econômicas. Ditaduras de direita, pró-EUA, se espalhavam pela AL, sempre sob a ideia de salvar o capitalismo contra o comunismo. E com o “milagre econômico”, o período de forte crescimento do mundo emergente, Brasil na onda, o capital não tinha do que se queixar.

Houve uma mudança significativa no governo Geisel (1974/79) – uma espécie de antecipação dos campeões nacionais. No programa de desenvolvimento da indústria de base, Geisel criou o modelo tripartite – a formação de grandes empresas com capital dividido entre o governo, uma multinacional e um empresário local.

Com o tempo surgiu uma geração de novos empresários brasileiros, geiselistas fiéis.

Até que vieram as crises econômicas – primeiro a do petróleo e depois da alta dos juros nos EUA, que quebrou a AL. A ditadura começou a ser contestada no lado da gestão econômica. Seria mesmo necessário um “regime forte” para promover o desenvolvimento capitalista?

Nesse momento, começo dos 80, combinaram-se fatores políticos e econômicos. No primeiro caso, acentuava-se a repulsa à ditadura, aos porões da tortura, ao controle da política partidária, à censura.

De outro lado, as sucessivas crises da dívida externa e a recessão retiraram da ditadura seu último argumento: a eficiência econômica. Foi o fim.

Como aconteceu nesta semana, setores empresariais começaram a apoiar as manifestações pró-democracia que surgiam nos meios jurídicos, acadêmicos e políticos, liderados por gigantes como Ulysses Guimarães, Tancredo, Franco Montoro.

Enfim, vai prevalecendo a tese de que o desenvolvimento capitalista requer um ambiente de liberdade.

Cai a ditadura por aqui e, desgraçadamente, o país democratizado passa por seguidas convulsões econômicas – hiperinflação, contas públicas no buraco e a falta de dólares que levou Sarney a decretar moratória. Sem moeda e caloteiros – assim estávamos.

Foi assim até o Real de FHC. Não foi apenas uma nova moeda, estável. Mas toda uma construção – responsabilidade fiscal, acerto das contas externas, privatizações em setores chaves, reforma administrativa e uma quase reforma da previdência.

O país mudou da água para o vinho, bom vinho. Capital e democracia estavam de bem. Era tamanha a estabilidade que se tornou possível a eleição e posse de Lula. Verdade que houve turbulência nos mercados – dólar foi a R$ 4,00 na vespera da eleição (setembro de 2002), o que equivaleria hoje a mais de dez reais.

Tudo se acalmou com a ortodoxia econômica de Lula e o boom das comodities. O capital adorou. Mas tudo se estragou com as sucessivas lambanças do PT – mensalão, petrolão, volta da inflação elevada e dois anos de recessão.

Surgiu o anti-petismo, apiado amplamente pelo capital. E o país caiu nesse horror de Bolsonaro.

O empresariado, como vimos nas últimas semanas, está abandonando Bolsonaro. E flertando com Lula, esperando que seja o do primeiro mandato. E com alguma desculpa pelos erros.

A ver.

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