O BRASIL E OS TIGRES ASIÁTICOS

. A ditadura deles foi melhor Tigres Asiáticos tiveram (e têm) regimes parecidos ao governo militar brasileiro. E resultados diferentes Qual é o país em que há menos corrupção no mundo dos negócios, menos economia informal, sistema legal transparente e sem brechas, sólidos padrões contábeis, política macro definida e sistema tributário com normas precisas? Se você pensou em algum país europeu – tipo Suíça ou Noruega – ou nos Estados Unidos, errou. A resposta certa é Cingapura, conforme indica uma pesquisa patrocinada pela empresa de consultoria PricewaterhouseCoopers. Uma equipe de economistas construiu um Índice de Opacidade, que considera aqueles fatores todos citados na pergunta inicial. Vai de zero, máxima transparência, a 150, máxima opacidade. Pois o índice de Cingapura é 30, ganhando com folga do segundo colocado, os Estados Unidos, com 38. Você já ouviu falar de Cingapura, mas eis aqui a ficha técnica. Fica no Sudeste Asiático, um conjunto de ilhas entre a Malásia e a Indonésia. Ex-colônia britânica, independente desde 1965, tem população de 4,2 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto (soma da riqueza produzida no país) que já passa dos US$ 100 bilhões. Portanto, a renda per capita ultrapassa os US$ 24 mil, quase cinco vezes a brasileira. Considerando o sistema Paridade de Poder de Compra, que inclui as diferenças locais de preços, a renda per capita é superior a US$ 28 mil, o que coloca Cingapura como o quinto país mais rico do mundo. É um dos Tigres Asiáticos, países que experimentaram extraordinário crescimento desde 1960. Cingapura é um porto (entreposto comercial), centro financeiro internacional e tem indústria variada (eletrônica, equipamento de exploração de petróleo, refino, processamento de borracha, processamento de alimentos e bebidas, reparo de navio e biotecnologia) E é uma ditadura. Quer dizer, no papel é uma democracia parlamentar. Os eleitores elegem uma Assembléia de 83 deputados, que escolhem o primeiro-ministro. Mas desde a independência o país é dirigido pelo Partido da Ação Popular (PAP), que hoje controla 80 cadeiras do parlamento. Esse sucesso eleitoral, digamos assim, certamente tem a ver com o desempenho da economia. Mas conta com a ajuda de outros instrumentos bem conhecidos. Por exemplo: todas as emissoras de rádio e televisão pertencem ao governo. Há muitos jornais, mas monitorados pelo governo que pode impedir a circulação dos que arriscam algum tipo de crítica. Além disso, há leis de segurança nacional que permitem prender uma pessoa acusada de delito político por tempo indeterminado, sem julgamento. Para cooptar, o governo e o PAP estimulam uma ideologia paternalista em um regime corporativo em que ser patriota é ser fiel ao governo. Há rígidos padrões morais, um culto à boa aparência, higiene e limpeza. Eis aí a combinação: uma economia aberta aos investimentos estrangeiros, com sistema que respeita o livre mercado, sem inflação, com forte crescimento, exportadora, mas tudo isso misturado com um regime político arbitrário e, além disso, um governo que detém enorme poder sobre a economia. A maior parte da poupança nacional é obrigatória. Trata-se de contribuições para a Previdência e Seguridade Social. Com esses recursos, o governo financia o setor privado, mas também companhias estatais, denominadas “ligadas ao governo”, especialmente no setor industrial. Além disso, como é o caso em todos os Tigres, o governo investe pesadamente em educação, sobretudo em educação básica e técnica, em tecnologia e saúde. De uns tempos para cá, a onda liberal e a globalização também atingiram Cingapura, que embarcou em programas de privatização e abertura de mais espaço ao setor não estatal. Quanto ao regime político, há tênues sinais de que se encaminha para algo parecido com uma democracia. E com isso voltemos ao Brasil. Por aqui, defender o regime autoritário não está mais na moda. Ninguém se arrisca. Mas defender o modelo pelo qual o governo controla a economia, à Cingapura, está voltando à moda. Temos ouvido por aí: todos os países têm estatais; todos controlam os mercados; todos selecionam determinados setores da economia privada para receber financiamento e subsídio do governo; todos captam poupança obrigatória; todos protegem os produtores nacionais; e por aí vai. A conclusão é: chega dessa onda neo-liberal, vamos fazer como Cingapura. Mas cabe aqui uma pergunta: não é exatamente isso que fizemos no Brasil e que fazemos ainda em grande parte? Sim, já não temos ditadura, mas o regime militar (1964/85) foi muito parecido. A Arena era o nosso PAP. Também tivemos poupança obrigatória – Previdência e FGTS, por exemplo. Também aqui o governo militar deu dinheiro público a empresas e empresários selecionados, escolheu multinacionais para entrar no país com subsídios e incentivos, levantou gigantes estatais, desenvolveu sistemas públicos de educação e saúde. Também é verdade que o Brasil experimentou extraordinário crescimento naquele período (especialmente de 1967 a 1979), mas com certeza algo saiu errado. Nossos empresários subsidiados ficaram ricos, mas não construíram grandes empresas internacionais. As multinacionais incentivadas não se tornaram grandes exportadoras. Nossas estatais deram mais resultados para os funcionários e clientes, do que para o país. Nosso sistema educacional público gasta muitíssimo mais com universidade gratuita para os mais ricos do que com escola básica para os pobres. O sistema público de saúde foi muito melhor para os hospitais privados conveniados do que para os pacientes. E finalmente torramos o dinheiro da poupança obrigatória em coisas como Brasília, em aposentadorias especiais e nas aposentadorias integrais para os servidores públicos. E construímos um sistema legal que permite grossa corrupção. É verdade que a Coréia do Sul, naquele Índice de Opacidade, está bem pior que o Brasil. Mas também é certo que, no geral, o desempenho econômico coreano foi e é muito superior ao brasileiro. Para simplificar: a ditadura deles funcionou melhor. Por que? É tema de um próximo artigo. Aceitam-se sugestões pelo email que aparece no nosso site www.sardenberg.com.br. Ah, sim, íamos esquecendo. Você deve querer saber qual a colocação brasileira no Índice de Opacidade. Ficamos no meio, com 60 pontos. Na lista de 35 países incluídos na pesquisa, há 16 mais opacos e 18 mais transparentes. A campeã de opacidade é a China, índice 85, cabeça a cabeça com a vice, a Rússia. Uma ditadura, uma ex-ditadura, ambas em processo de capitalização. Curioso, não? Publicado em O Estado de S.Paulo, 12/03/2001

Deixe um comentário