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Liberal

Na comemoração dos seus 175 anos, em setembro último, a revista Economist produziu magnífico material sobre a situação global do liberalismo, começando pela definição mais atualizada do termo. Não se trata, diz, do “progressismo” esquerdista dos campi universitários americanos (e brasileiros, acrescentamos) nem do “ultra liberalismo” direitista excomungado pela intelectualidade francesa (e brasileira). Liberalismo, eis a definição, é um compromisso com a dignidade individual, mercados abertos, governo limitado e fé no progresso humano realizado pelo debate e por reformas.

Não faltou progresso nos séculos de prevalência do liberalismo e do capitalismo, seu lado econômico. Por exemplo: expectativa global de vida em 1850 era de apenas 30 anos; hoje, acima de 70 anos. População vivendo na extrema pobreza, 80%; hoje, 8%. E o número absoluto de pobres caiu, mesmo com a população mundial passando de 100 milhões para 6,5 bilhões. Os direitos civis são mais respeitados do que nunca.

Claro que há diferenças entre os países, mas o mundo todo melhorou de vida. O progresso começou pelo Ocidente e, dado o sucesso, acabou se espalhando, no fenômeno conhecido por globalização.

De uns tempos para cá, entretanto, surgiu um claro mal-estar com o liberalismo. A questão principal está na desigualdade – os ricos avançam mais – e numa bronca contra as elites dominantes na política e na economia.

Essa onda antiliberal leva, na Europa e nos Estados Unidos, a um populismo de extrema direita. Na economia, isso leva a uma demanda por mais controle do governo para, por exemplo, defender indústrias locais, mesmo ineficientes, caso de Trump.

Na política, vem uma descrença na democracia, já que os sistemas eleitorais permitiram o contínuo comando das mesmas lideranças partidárias (que aliás, estão sendo varridas na Europa).

Na sociedade, há o retorno do conservadorismo. Por exemplo: o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um avanço liberal evidente; a pessoa tem o direito (a liberdade) de escolher com quem quer viver. Já para o populismo de direita, casamento se dá entre homens e mulheres – e ponto final.

Essa onda bateu no Brasil, mas de um modo, digamos, enviesado. O que torna o debate confuso e raivoso – sendo nosso propósito aqui tentar colocar um pouco de bom senso.

Para começar, na economia, a demanda dominante no Brasil, expressa nas urnas, é por uma política liberal – menos Estado, mais privatizações, facilitar a vida de quem empreende honestamente, mercados abertos, livre competição.

E isso faz sentido depois da falência de um sistema de mais Estado, mais gasto público – e mais corrupção.

Nesse lado, portanto, a nova direita brasileira caminha na direção contrária da global.

Outra diferença importante: a direita europeia e americana é protecionista. Já a brasileira, pelo menos nas palavras de Paulo Guedes, é por livre comércio e competição entre investimentos nacionais e estrangeiros.

Já na pauta política e social, as direitas se encontram no anti-liberalismo. E não raro se encontram com a esquerda brasileira, representada pelo PT e seus associados. Por exemplo: no ataque à imprensa livre, a nossa aqui, considerada ao mesmo tempo comunista e fascista. É normal – todo autoritarismo detesta a imprensa crítica.

Já no social, a direita brasileira encontra a europeia no casamento (entre azul e rosa), na desconfiança em relação à democracia (a história da fraude nas urnas), na tentativa de impor seus padrões morais para todo mundo e excluir os adversários. Aliás, fazendo o mesmo que a esquerda faz, pelo avesso.

Não estranha que os liberais, na definição da Economist, fiquem no meio de um fogo cruzado. Mas o progresso brasileiro está no liberalismo – na economia, na sociedade, nos costumes e, sobretudo, nas reformas que eliminem privilégios de uma elite voraz e corrupta.

E só pra lembrar: entre os que vivem no Brasil, os únicos que não são descendentes de imigrantes ou imigrantes de primeira viagem são os índios, que têm suas próprias culturas e não cantam o hino nacional.