O BRASIL E O CENÁRIO MUNDIAL

. Artigos Aeroporto global, aeronaves nacionais   Então não era céu de brigadeiro. Também não chegou a ser furacão, mas o avião da economia brasileira balançou um bocado na semana passada. E assim entramos nas imagens aeronáuticas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente do banco central, Alan Greenspan, tenta pilotar um pouso suave da maior economia do planeta. O problema, como notou Carlos Langoni, da FGV, ex-presidente do BC (do nosso), é que a economia americana, de tão robusta e de tanto combustível que acumulou ao longo de dez anos de expansão, mais parece um foguete. E foguetes não aterrissam, mas se dissolvem no espaço ou se estatelam na terra. Esse é o temor em relação à economia americana – que não seria mais possível um pouso suave, dada a velocidade de aproximação. Pode ser, dizem os mais otimistas, mas “in Greenspan we trust”. Já o problema do piloto brasileiro, Armínio Fraga, presidente do BC, é o contrário, conforme o bom achado de Langoni: estamos na decolagem. O diabo, notou Fraga, é que os dois momentos mais perigosos de um vôo são justamente a decolagem e a aterrissagem. De todo modo, as dificuldades do pouco americano são um dos fatores que podem atrapalhar a decolagem brasileira. Como? É que a economia mundial é hoje um imenso aeroporto global onde todos os países estão decolando ou descendo. A turbulência de um atrapalha o outro. Que o avião brasileiro é bom, isso ficamos sabendo nas duas últimas semanas. Não faltaram turbulências: o vai-e-vem das bolsas e alta dos juros para empresas nos Estados Unidos, o petróleo de sempre, a Argentina. E o Brasil seguiu na decolagem – inflação em baixa, contas públicas ajustadas, atividade econômica em expansão, desemprego em queda. Tratamos desse resultado positivo no artigo da semana passada. O dólar subiu, mas não foi o deus-nos-acuda de crises anteriores, os juros subiram, mas não foi a explosão de antes, a bolsa caiu, mas voltou – e esse foi o ponto importante verificado na semana passada: o país sai da turbulência mais depressa. Então, há bons fundamentos econômicos. Mas também se consolidou o entendimento segundo o qual esses fundamentos não são suficientes. Ou seja, entende-se agora que a economia brasileira continua crescendo, mas um pouco menos. A taxa básica de juros vai cair, mas mais devagar e mais à frente. Até pouco, não faltavam previsões de uma taxa básica de 15% em dezembro, uma boa queda em relação aos atuais 16,5%. Agora, a maioria acha que o BC só voltará a reduzir juros no ano que vem. Qual o problema? “É que nós não fabricamos dólares”, responde Edmar Bacha, um dos fundadores do Real, hoje diretor do Banco BBA e presidente da Anbid. Eis aí, as contas externas. Neste ano, feito o balanço entre entradas e saídas de dólares (exportações x importações; pagamentos x entradas de empréstimos e financiamentos) devem ficar faltando algo como US$ 25 bilhões. Quer dizer, na verdade não vai faltar. Isso está sendo coberto com a entrada de investimentos estrangeiros diretos, que até devem ultrapassar os 25 bilhões. Ou seja, ao final do ano sobrará algum para engrossar as reservas do Banco Central. Qual o problema, então? É que a decisão de investir no Brasil (ou de emprestar dólares para o governo e empresas brasileiras) está lá fora, no mercado internacional – digo, naquele aeroporto global. Se ocorre algum problema lá, faltam dólares aqui. No caso dos Estados Unidos, temos como fatores de complicação: a correção, eufemismo para derrubada no preço de ações; o empobrecimento de empresas em consequência disso, inclusive de companhias de ponta, da área de Internet e telecomunicações; o estreitamento do mercado de capitais, onde empresas obtinham capital barato para investir lá e pelo mundo afora; o encarecimento dos juros, pois com a redução do dinheiro das bolsas, as companhias, mais pobres, vão buscar dinheiro nos bancos; estes, de sua vez, correm risco porque emprestaram muito para dinheiro para empresas com base no valor de ações que agora caíram. Resumindo, estreita-se o mercado financeiro, sobem juros corporativos (para empresas). Obviamente, diminui a disponibilidade para países emergentes, com os fornecedores de combustível mais comprometidos com o avião maior. Acrescente a isso que o comércio externo brasileiro não apresenta superávit – isto é, não fabrica nossos dólares – e se vê que as contas externas atrapalham nossa decolagem. E por que nossas empresas não exportam mais? Uma reposta é que têm custos elevados, a começar pelos impostos e juros que pagam. Os impostos subiram para fazer o ajuste das contas públicas, já que as despesas não caíram, ao contrário subiram. E os juros são altos pelo mesmo motivo, porque o governo precisa tomar muito dinheiro emprestado. Há dois grandes itens no orçamento do governo federal: pagamento de juros (algo como R$ 50 bilhões neste ano) e pagamento a pessoas (salários do funcionalismo, inativos, idosos, renda mínima e aposentados do INSS, tudo somando cerca de R$ 120 bilhões). Sendo que o gasto com pessoas sobre, apesar do arrocho salarial aplicado a parte do funcionalismo. O pagamento de juros será reduzido com a queda da taxa de juros e a diminuição da dívida pública, para o que o governo precisa fazer um superávit nas suas contas básicas de modo a sobrar algum para amortizar compromissos. Mas a privatização – um dos meios para reduzir dívida – ficou parada neste ano. A outra providência, goste-se ou não, é que se precisa conter o gasto com salários e inativos. E aí aparecem outras falhas de estrutura do avião brasileiro a reforma da Previdência ficou pela metade; a reforma administrativa, que permitirá reduzir pessoal e salários, ainda não está pronta. Também não ficaram prontas as reformas que poderiam aliviar a vida das empresas: reforma tributária, lei das Sas, reforma trabalhista. .Eis o problema de nossa decolagem. O reverso não abriu, mas o motor falhou um pouco, havia muito peso, demora a ganhar a altura. Mas o pessoal do governo FHC parece continuar achando que estamos num super-jato da Embraer em céu de brigadeiro. Além da crise financeira, a outra coisa que mais se discutiu na semana passada foi justamente aumento de gasto público com pessoal e aumento de imposto sobre empresas e pessoas para pagar isso. E depois reclamam da globalização quando o dólar passa de 1 e 90 e o juro não cai. (O Estado de S.Paulo, 30/10/2000)

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