O BRASIL E O CENÁRIO EXTERNO

. Artigos Atravessando a turbulência Os mercados internacionais andaram agitados na semana passada e o Brasil pagou um preço. O Banco Central manteve a taxa básica de juros em 16,5%, colocando a culpa justamente na turbulência externa. Foi um repeteco da reunião de setembro (o BC reúne-se uma vez por mês para decidir sobre os juros básicos). Já em agosto, a taxa também havia sido mantida nos 16,5%, mas por outro motivo: o repique inflacionário. Assim, vamos para quatro meses sem redução dos juros, já que o BC só voltará a examinar o assunto na reunião de novembro. Não é uma boa notícia, claro. Embora os juros hoje sejam os mais baixos da era do Real, ainda permanecem elevados em relação aos demais países emergentes. Além disso, há aí uma dose de decepção. Até bem pouco tempo, havia por aqui uma expectativa razoável de se chegar ao fim do ano com a taxa básica em torno dos 15% e talvez até abaixo disso. Mas seria possível uma leitura pelo outro lado? Seria o caso de dizer que, apesar do repique da inflação, seguido por turbulência externa, o BC não precisou elevar a taxa básica de juros? Mesmo que se considere isso uma visão excessivamente positiva, há aqui uma boa história – uma que mostra que bons fundamentos internos permitem à economia brasileira resistir melhor a problemas locais e externos. No primeiro caso está a espetacular queda da inflação em setembro. O IPCA, referência oficial para as metas de inflação, saltou de 0,2% em julho para assustadores 1,6% em julho e 1,3% em agosto. Só a inflação de julho foi igual à de todo o primeiro semestre. Então, em setembro, o número voltou à casa de 0,2%. É para reparar. Trata-se de um espalhafatoso sinal de que acabou a indexação, a inércia, a cultura inflacionária ou como se queira chamar aquela situação em que preços sobem hoje porque subiram ontem. Note-se que a inflação de julho e agosto foi determinada por itens estratégicos – comida, gasolina, tarifas de energia e telefones – de impacto imediato e permanente no custo de vida. Se a economia ainda tivesse memória inflacionária, isso seria o estopim de altas seguidas. Não aconteceu. Como acontece em economias estáveis, um preço sobe porque tem de subir – porque a Opep aumentou o preço da gasolina, porque choveu de mais ou choveu de menos, porque o contrato de concessão manda reajustar tarifas – mas o efeito ocorre uma única vez. Superados os fatores de alta, tudo volta ao normal, muitos preços caem, como aconteceu com gasolina e comida. Eis aí: a inflação, entendida como alta persistente e generalizada de preços, isso acabou. É de estourar champanhe, pois a estabilidade é um fundamento econômico essencial, um desses que ajudam a superar turbulências externas. As turbulências do momento têm nome e endereço: Argentina, petróleo, economia americana e euro. Tudo isso afeta o Brasil. A Argentina, por duas razões. A primeira é que a falta de dinamismo de um importante parceiro comercial prejudica as exportações brasileiras. A segunda é pela contaminação – a desconfiança que faz os investidores se desfazerem dos papéis argentinos e/ou cobrarem juros maiores para mantê-los, acaba afetando os títulos brasileiros e, assim, encarece os juros pagos pelo país (governo e empresas) no exterior. Quanto ao petróleo, todo mundo sabe. O Brasil importa óleo e combustíveis para cobrir um terço de seu consumo e, além disso, no preço da gasolina tem uma parcela que vai para o caixa do Tesouro Federal. Assim, quanto maior o custo do petróleo para a Petrobrás, menor a parcela que sobra para o governo – que, todos sabemos, não está propriamente com dinheiro sobrando. No caso da economia americana, o melhor que pode acontecer é a desaceleração suave. Ou seja, o país cresce menos, mas cresce. Parece que é isso mesmo que está acontecendo – mas sempre há tropeços pelo caminho. Nos casos de algumas empresas, os lucros caem mais do que o esperado, desabam as ações, os investidores saem da bolsa e vão para os juros, que sobem. E se as empresas americanas pagam juros maiores, por que os investidores continuariam aplicando em papéis de países emergentes? Ou seja, empresas brasileiras têm de pagar mais juros lá fora e com isso os juros aqui não podem cair mais. Finalmente, o euro desvalorizado diminui o poder de compra da União Européia, que é cliente importante das exportações brasileiras. Além disso, a queda do euro leva a um aumento dos juros na Europa – e o Brasil capta dinheiro lá. A queda da Bovespa e, mais que isso, suas fortes oscilações refletiram essas confusões internacionais. Juros dos papéis brasileiros também subiram nesta semana, a cotação do dólar ficou sempre acima da marca do R$ 1,85, os juros aqui foram atrás. Note-se, porém, a diferença em relação a crises anteriores. Os juros externos dos papéis brasileiros subiram, mas pouco, nada comparável com as disparadas de antes. E sobretudo: sobem mas caem logo que a situação melhora, quando antes subiam e lá ficavam por meses. O dólar, superpressionado, foi a R$ 1,88 – mas lembram-se quando escapava para cima de dois reais a qualquer coisinha? E os investimentos externos diretos continuam entrando em abundância, ignorando a conjuntura. Tudo considerado, os indicadores básicos brasileiros não se alteraram ou sofreram pequena alteração: a meta de inflação será atingida (talvez 6,5% neste ano, em vez dos 6%); a economia mantém-se em crescimento; a dívida pública em redução. Ou seja, as oscilações não alteram a base da economia real. O comércio externo sente mais, com a redução do superávit comercial. Mas não é uma surpresa. Os problemas estruturais aí vêm de antes – a falta de viés exportador da economia brasileira. E sobretudo, não houve ameaça nem econômica bem política ao principal fundamento – o pai de todos os fundamentos, que é o equilíbrio das contas públicas, ao mesmo tempo causa e efeito da estabilidade. É isso: se a situação externa, o Brasil cresce menos. Mas não fica à beira do abismo, como antes. Eis a mudança – e não é pouca.

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