–Dizemos por aqui que o Brasil não pode ser “mero” exportador de comida e minérios mas comida e minérios serão essenciais e caros por muitos anos, dizem lá fora—
A agricultura brasileira, incluindo a criação de gado, sofre dois tipos de crítica por aqui: 1) destrói o meio ambiente, especialmente a Amazônia e 2) por seu caráter capitalista-global, concentra renda, não emprega e não garante comida para os brasileiros.
A exportação de alimentos, em especial, é vista não como uma virtude, mas como um tipo de atraso econômico. Nesse ponto de vista, o país não poderia ou não deveria ocupar no mundo o papel de ?mero? exportador de comida e de matérias-primas (commodities) como o minério de ferro.
Tratados no exterior, esses temas viram de ponta-cabeça. Na edição desta semana, a revista Economist não mede palavras. Em editorial e reportagem, observa que a agricultura brasileira é um milagre e sugere que outros países adotem o mesmo modelo para ?alimentar? o mundo.
Ou seja, o caráter exportador de alimentos aparece como uma virtude global, especialmente neste momento em que, diz a revista, prolifera mundo afora um ?agro-pessimismo? ? a sensação de que não há como a humanidade não consegue se alimentar a não ser destruindo o planeta. O Brasil, diz a respeitada publicação, seria a alternativa: como produzir sem destruir.
Ter comida para exportar é, pois, um fator extremamente positivo neste ambiente global. O Brasil poderia alimentar o mundo pelas próximas décadas.
O mesmo tema, com abordagem parecida, surgiu durante um debate promovido na semana passada pelo HSBC brasileiro. O banco trouxe seus principais executivos da Ásia e um representante do governo chinês para debater as perspectivas de negócios Brasil-China, nas duas direções.
Todos os participantes trataram de uma ?complementaridade?: a China desesperadamente em busca de recursos naturais e o Brasil com abundância desses recursos.
Obviamente, a questão seguinte do debate estava posta: mas é essa a posição brasileira esperada, fornecedor de alimentos e minério de ferro e importador de manufaturados e máquinas?
O representante do governo chinês, Chen Lin, diretor do Ministério do Comércio, não entendeu. Mas qual problema existe aí? ? foi sua primeira reação.
Explicados os contornos do tema, respondeu com franqueza. O ponto principal: recursos naturais estão escassos, especialmente para um país de 1,35 bilhão de habitantes que desejam produzir e enriquecer ter esses recursos é uma vantagem estratégica espetacular no mundo de hoje.
E a prova disso, acrescentou, é que os preços dos produtos exportados pelo Brasil subiram extraordinariamente nos últimos anos. (Lembram-se dos reajustes de até 100% que a Vale conseguiu para seu minério de maior qualidade, o de Carajás?). E os produtos industrializados chineses, ao contrário, tiveram quedas de preços.
Executivos do HSBC da Ásia, Anita Fung e Che-Ning Liu, observaram ainda que o Brasil simplesmente deveria aproveitar a bonança, os preços elevados de alimentos e commodities, em boa parte puxados pela voracidade da China. É um bônus do momento, notou Che-Ning Liu. E se o país acha melhor para o futuro produzir máquinas e tecnologias, ok, exporte commodities hoje e junte os recursos para desenvolver novos setores.
Pagamos mais caro
Sobre a coluna da semana passada, ?Pagamos mais caro?, recebi esta colaboração do professor Carlos Pio, da Universidade de Brasília:
? A excessiva proteção comercial do Mercosul foi uma imposição brasileira aos parceiros menores e tradicionalmente mais liberais. Ela é a maior responsável pelas diferenças de preços de produtos globais. No Peru, por exemplo, um Honda Civic custa US$ 20 mil enquanto custa o dobro aqui.
2. Os formuladores de políticas de desenvolvimento e os políticos professam uma crença enganosa de que a proteção comercial gera empregos no Brasil…..Ora, a proteção encarece o produto produzido localmente (pela falta de concorrência, falta de liberdade para importar tecnologia e insumos) que acaba sendo vendido quase que exclusivamente aqui mesmo (salvo quando o empresário leva um subsídio à exportação). Pois bem, os consumidores locais (família e empresas) têm que comprar mais caro o que existe disponível na economia internacional por preço muito mais em conta e, com isso perdem bem-estar (as famílias) e competitividade internacional (as empresas). A acumulação de capital sai prejudicada. No conjunto, empobrecemos.
As empresas de aluguel de veículos têm que optar entre adquirir carros baratos e de má qualidade e os carros “nacionais” de luxo mais caros do que no resto do mundo. Com a impossibilidade de importar, elas oferecem a seus clientes carros ruins e caros a preços internacionais e empregam menos pessoas do que poderiam se os carros tivessem preços competitivos e elas pudessem ter uma frota mais ampla em todo o território nacional. O resultado é que o emprego gerado nas cidades onde se instalam as montadoras é compensado pelo desemprego de potenciais trabalhadores de empresas que deixam de adquirir automóveis em quantidade maior e que se espalham por todo o território nacional.
O burocrata acaba decidindo onde haverá demanda por emprego e por qual tipo de emprego, mas não é capaz de determinar um aumento geral do nível de emprego do País por meio da proteção comercial à indústria.
3. Câmbio flutuante e metas de inflação em nível internacional eliminam a possibilidade de crise cambial em decorrência da decisão de unilateralmente abrir a economia nacional às importações. Quanto mais se importar, mais o real se desvalorizará automaticamente, encarecendo as importações. Da mesma forma, se nenhum outro país comprar produtos e serviços de empresas brasileiras, não entram dólares aqui e o real fica muito barato, barateando os preços do que se exporta daqui e encarecendo os produtos estrangeiros. Que não há crise cambial em economias abertas ao comércio e com regime de câmbio flutuante e inflação baixa, é um fato que poucos brasileiros reconhecem?.
Publicado em O Estado de S. Paulo, 30 de agosto de 2010