O BRASIL AVANÇA NA OMC

. O grande momento da agricultura   As negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) têm funcionado na base de um sucesso por um fracasso. A reunião ministerial – o mais alto nível da instituição – encerrada em Genebra, em 31 de julho, foi um sucesso dos grandes no caminho da liberalização do comércio agrícola. Para o Brasil em particular, foi um resultado extraordinário na forma e no conteúdo. Na forma, porque o chanceler Celso Amorim colocou-se entre os três principais negociadores, junto com o representante comercial dos EUA, Robert Zoellick, e o comissário da União Européia, Pascal Lamy. O Brasil de fato liderou o G-20, grupo que inclui alguns dos mais importantes países em desenvolvimento, conforme reconhecem a diplomacia e a imprensa internacionais. No conteúdo, o ponto mais importante da reunião de Genebra foi um documento de sete páginas que, ao estabelecer regras para a negociação agrícola, prevê a eliminação completa dos subsídios à exportação, a substancial redução dos subsídios internos e limites a medidas protecionistas. Potência no agronegócio, grande exportador, competitivo, o Brasil tem o que comemorar. Mas não se pode perder a perspectiva. O encontro de Genebra seguiu-se ao completo fracasso de Cancun, em setembro, que terminou em impasse absoluto. Essa reunião tinha o propósito de dar sequência ao sucesso de Doha, no Catar, em novembro de 2001, quando se lançou a agenda de desenvolvimento, fixando princípios agora elaborados em Genebra. De sua vez, Doha salvou o retumbante fracasso de Seattle, em setembro de 1999, palco de quebra-quebra nas ruas, promovido pelos movimentos antiglobalização, e atitudes protecionistas praticadas pelos ministros nos sitiados salões de reunião. O que explica essas variações? De um lado, existem os fatores conjunturais. Doha, por exemplo, se realizou sob o impacto dos atentados terroristas de setembro de 2001 nos EUA. Todos trabalharam com a idéia de que era preciso abrir oportunidades aos países mais pobres. Comércio e desenvolvimento criariam um ambiente mais propício à paz. Já em Genebra, os negociadores se preocuparam, no curto prazo, em salvar a própria OMC. Mais um fracasso no sistema de negociações internacionais e a Organização estaria condenada. Considerando que a OMC tem 147 integrantes e que a decisão é necessariamente por consenso – de modo que cada país tem um veto – o simples fato de se chegar a um texto comum já é um sucesso não desprezível. Mas por trás de tudo, há uma tendência que vem desde 1995, quando se encerrou a Rodada Uruguai, primeiro importante movimento de liberalização comercial. Pouco a pouco, ficou claro que os países mais ricos haviam sido especialmente favorecidos, na medida em que as novas regras abriam mercados para os produtos industriais e preservavam todo o arsenal que fechava a atividade agrícola. Ora, quem mais subsidia seus fazendeiros? Os países ricos, pela simples e boa razão de que têm dinheiro para isso. Estima-se que os subsídios agrícolas globais ultrapassem os US$ 300 bilhões anuais. Os três mais ricos são responsáveis por dois terços disso (União Européia, US$ 121 bilhões, Japão, US$ 44 bilhões, e EUA, US$ 39 bilhões, isso no ano passado). Subsídio, para simplificar, é dinheiro público dado a determinados grupos para compensar custos de produção elevados e falta de competitividade. Exemplos: o açúcar europeu custa mais de US$ 600 a tonelada e o produtor local recebe isso para exportar a US$ 200 – e assim tirar mercado do Brasil, Tailândia e Austrália. Os EUA gastam mais de US$ 3 bilhões/ano para subsidiar 25 mil produtores de algodão, prejudicando assim as exportações de países africanos muito pobres. Do subsídio agrícola, pode-se dizer, sem medo do chavão, que é uma forma rude de exploração dos pobres pelos ricos. Esse subsídio, finalmente, está caindo. Neste ano, tribunais da OMC declararam ilegais os casos do algodão e do açúcar, julgamentos em linha com a conclusão da reunião ministerial de Genebra. Por que isso estaria acontecendo? Um motivo é dinheiro. Ficou caro mesmo para os ricos. De fato, o volume de subsídios vem caindo nos últimos anos, por decisões internas. Na União Européia, por exemplo, a Alemanha, principal pagadora no orçamento da comunidade, acha cada vez menos graça em financiar os ineficientes agricultores franceses. De outro lado, empresas francesas, produtoras de açúcar, compram usinas no Brasil, percebendo que a farra vai acabar. Outro motivo é político e cultural. A “vergonha” dos subsídios, como repetem a revista Economist e analistas do porte de Jeffrey Sachs, torna-se insustentável. E os países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil, deram um basta: sem avanço na agricultura, pára tudo. Funcionou. Mas atenção: nada está garantido, ainda há muito por negociar, restam armadilhas pelo caminho. A Rodada Uruguai, prevista para três anos, durou oito. A Rodada Doha está no seu terceiro ano. É precipitado fazer conta de ganhos. Mas é inegável que as perspectivas melhoraram. E melhorou também a visão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Poucas semanas antes do lançamento da rodada de Doha, em novembro de 2001, o então presidente de honra do PT defendia, em Paris, a política agrícola francesa, campeã mundial de subsídios, para deleite do ativista radical José Bové. Na ocasião, Lula ainda se guiava pela tese da “segurança alimentar”, segundo a qual a exportação de alimentos é uma forma de tirar comida da boca do povo. O agronegócio, que na época já proporcionava um superávit externo de US$ 18 bilhões, era visto com desconfiança. Hoje, o presidente Lula celebra os resultados das exportações agrícolas e se considera vencedor com a derrocada da política francesa. Ainda bem. Escrito para a revista Exame, edição 824, data de capa 18/agosto/2004

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