. Os sem-resultados “Todo governo sério e novo – como o de Luís Inácio Lula da Silva, que levou muita gente, incluindo o presidente, a estrear no poder federal – começa certo de que vai fazer e acontecer. Vista de fora, a administração federal parece uma enorme possibilidade: tantos instrumentos, tanto dinheiro, tanto poder, de modo que, tal é a impressão, basta não roubar, ter boas idéias e disposição de trabalho para mudar esse país. Aí começa o dia a dia em Brasília. É um banho de desilusões, que leva a um de dois caminhos: ou o governo se recompõe, inclusive trocando ministros e muitos outros administradores, e acerta um programa realista (e lento); ou o governo se decompõe em meio a voluntarismos variados, cada núcleo tentando resolver seu pedaço”. Esses são trechos de um artigo aqui mesmo publicado em 10 de março de 2003, quando governo Lula mal completava 70 dias. Passados dois anos, o que temos? Os dois caminhos. Há, certamente, realismo na área econômica, incluindo Agricultura, Indústria e Comércio. Há voluntarismos em diversas outras áreas, algumas já no segundo ministro, como é o caso de Educação e Desenvolvimento Social. É por isso que o presidente Lula toca uma segunda reforma ministerial – para obter resultados, explicam interlocutores. Mas não é fácil. Os sem-resultado não se consideram culpados. Atribuem o fracasso a outras pessoas e outras circunstâncias – e, assim, também pedem mudanças no governo para que tenham melhores condições de exercer suas excelentes idéias. Dá em surrealismo, como foi a reunião do presidente com os ministros do PT na semana passada. O ministro Palocci foi lá para entregar um cheque a Lula. Cheque gordo: economia provavelmente crescendo a 5%; desemprego em queda há seis meses, com a taxa de desocupação perto de cair abaixo de 10%, um marco; explosão do comércio externo; e por aí vai. Outros ministros levaram faturas para o presidente pagar. A conversa é a seguinte: não conseguem realizar as grandes mudanças porque a política econômica neoliberal não lhes dá os recursos necessários e, ainda por cima, impõe perdas morais, políticas e eleitorais. A cobrança: uma transição forçada para um novo modelo de desenvolvimento. Eis o córner em que colocaram o presidente: o pessoal que leva as contas a pagar pede a mudança do cara que leva o cheque. É verdade que o cheque veio por um caminho que o próprio presidente rejeitava antes da campanha eleitoral de 2002. Mas, enfim, o resultado está aí, o país está crescendo, os empregos aparecem e há uma boa chance de repetir esse desempenho nos próximos anos. Por que o presidente entregaria isso em troca de um modelo que ninguém lhe explica como é, preto no branco? Não serve falar em ousadia e criatividade. Por outro lado, a situação atual deixa em situação delicada o pessoal que não mudou a cabeça e vinha dizendo a Lula que isso – a política econômica – não ia dar certo de jeito nenhum. Essa turma está lascada, no governo e nas futuras eleições. O resultado que a administração Lula pode oferecer é a negação de seu discurso. Como podem ficar no governo e o que vão dizer aos eleitores? Também é verdade que Lula perdeu dois anos em algumas áreas chaves de seu governo, por tentar conviver com posições tão diferentes. Uma das preocupações da ala realista do governo é criar um ambiente de confiança que anime os investidores a iniciarem novos negócios. Prometem-se investimentos públicos em infraestrutura, depois de negociado um alívio fiscal com o FMI e de aprovadas as Parcerias Público Privadas. Mas o alívio do FMI liberaria um, no máximo dois bilhões de reais. As PPPs podem dar mais, uns R$ 12 bilhões, mas ao longo de muitos anos e, com sorte, a partir de 2006. Ajuda, claro, mas não muda o ambiente quando se sabe que só em energia são necessários mais de R$ 10 bilhões/ano, a partir de ontem. Lula tem, entretanto, outros meios de injetar confiança, sem gastar um centavo. Por exemplo: basta demitir o presidente do Incra, Rolf Hackbart, e dizer que ninguém mais em seu governo pode esculhambar o agronegócio. Ou ainda: apressar os marcos regulatórios dos diversos setores (energia, saneamento e habitação, transportes, etc) com viés amigável aos investimentos privados; licitar e entregar algumas estradas federais a concessionárias privadas; mandar para o Congresso o projeto de lei de autonomia do Banco Central. Sim, tudo isso dá problemas com a outra ala, a ala que não entrega cheques e é velha companheira. Vai doer, mas é isso ou, como aqui registrado há um ano e meio, “o governo se decompõe em meio a voluntarismos variados, cada núcleo tentando resolver seu pedaço”. O governo atrasou-se no aprendizado. Qual aprendizado? Permitam o leitor e a leitora repetir mais alguns trechos do artigo de março de 2003. É meio pretensioso, alguma vagabundagem – ganhar duas vezes com o mesmo texto – mas como foi sugestão de um leitor, vá lá. Eis os trechos: “Políticos da antiga gostam de apresentar aos novatos a história da tartaruga encontrada no alto de uma árvore. Tartaruga não sobe em árvore, de modo que alguém a colocou lá e por algum motivo que você não sabe. De modo que antes de retirá-la convém saber quem a colocou e por que teria feito isso. Só entender a situação já leva a uma redução do voluntarismo. O estreante no governo tende a achar que as coisas erradas – ou que ele supõe erradas – estão assim por má fé ou estupidez de seu antecessor. Quando efetivamente se coloca a par, então entende que além das coisas certas e erradas, existem as possíveis e impossíveis, viáveis e inviáveis. Uma das experiências mais desagradáveis para um estreante no governo é justamente quando percebe que muitas coisas certas são inviáveis. Imaginem o baixo astral. Você ganha a eleição certo de que pode reduzir os juros rapidamente – pois você não está ao lado dos banqueiros, como estava o governo anterior. Aí começam a lhe mostrar que a tartaruga dos juros está lá em cima por causa da inflação, da expectativa dos agentes, do custo do spread bancário. Que para derrubar juros no Brasil é preciso antes conter a inflação, fazer reformas estruturais e mexer nos componentes do spread, mudando a Lei de Falências, ampliando a alienação fiduciária e legalizando o anatocismo. Anatocismo?” Dureza. Publicado em O Estado de S.Paulo, 29/11/2004
GOVERNAR É DUREZA
- Post published:9 de abril de 2007
- Post category:Coluna publicada em O Globo
- Post comments:0 Comentários